Síndrome de descontinuação de antidepressivos: como evitá-la?

Por: Helena Sclauser e Fernanda Oliveira

Os antidepressivos são medicamentos utilizados para o tratamento de diversas alterações psiquiátricas, como depressão, ansiedade e transtorno bipolar. A interrupção do tratamento pode ocorrer por diversos fatores, como: inefetividade do fármaco escolhido, manifestação de reações adversas graves, emergência médica, gravidez, cirurgia iminente ou por remissão do quadro clínico [1]. Independente do motivo, o processo de retirada ou desmame do antidepressivo deve ser guiado por avaliação e acompanhamento médico, visto que pode ocorrer o desenvolvimento de uma síndrome fisiológica e neuropsiquiátrica, conhecida como “síndrome de descontinuação”, “síndrome de abstinência” ou “reação de abstinência” [1, 2].

A síndrome de descontinuação é caracterizada como o aparecimento abrupto de sintomas logo após a interrupção rápida dos antidepressivos e ocorre em pacientes que utilizaram o medicamento por pelo menos algumas semanas [1]. Pode surgir devido à interrupção de qualquer classe de antidepressivos – inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina (IRSN), antidepressivos atípicos, antidepressivos tricíclicos (ADT) e inibidores de monoaminoxidase (IMAO) – porém, é melhor descrita em duas classes: ISRS e IRSN [1, 3, 4]. Além da descontinuação abrupta, a redução gradual da dose feita de maneira rápida, a alteração de antidepressivos que possuem perfis farmacodinâmicos diferentes e o esquecimento frequente ou consecutivo da dose de medicamentos com meia vida curta, também podem levar ao desenvolvimento do quadro [1].

Não há, até o momento, muitos estudos aprofundados que busquem elucidar a fisiopatologia da síndrome de descontinuação, porém, acredita-se que seja um acometimento multifatorial [1, 5]. De maneira simplificada, define-se que durante a administração contínua de antidepressivos, ocorre uma neuroadaptação e a determinação de um novo equilíbrio homeostático, no qual o sistema se adapta às alterações produzidas pelos medicamentos em algumas vias neuronais (como a via adrenérgica). Além disso, acredita-se que também ocorra uma regulação negativa dos receptores serotonérgicos durante a ação do fármaco [5, 6]. A interrupção abrupta do medicamento provoca um desequilíbrio homeostático, no qual as vias e receptores precisam retornar para seu estado natural e, enquanto isso não ocorre, observa-se o surgimento dos sintomas característicos da síndrome [6].

A síndrome de descontinuação apresenta manifestações clínicas diversas. Ela pode ser apresentada na forma de sintomas psicológicos e/ou fisiológicos, os quais costumam surgir de 1 a 4 dias após a descontinuação do medicamento e podem variar de acordo com a classe de antidepressivo utilizado e o tempo de duração da terapia [1, 4, 7]. Há relatos de aproximadamente 50 a 80 sintomas em 10 sistemas fisiológicos diferentes, nos quais os mais comuns são: tontura, fadiga, dor de cabeça e náusea [1]. De maneira geral, os sintomas resultantes da descontinuação das classes dos ISRS, IRSN e IMAO podem ser classificados em 8 grupos: (1) sintomas de gripe – dor de cabeça, letargia, sudorese, calafrios, perda de apetite e dores musculares; (2) distúrbio do sono – dificuldade em dormir e pesadelos frequentes; (3) desconforto gastrointestinal – náusea, vômito e diarreia; (4) problemas de equilíbrio – tontura e distúrbio na coordenação motora; (5) disfunções sensoriais – sensações de choque elétrico e parestesia (sensação de formigamento); (6) alterações psicológicas – ansiedade, tristeza, irritabilidade, mania; (7) disfunções extrapiramidais – distúrbio no movimento; (8) outros sintomas – arritmia cardíaca, sintomas semelhantes a choque elétrico e outros distúrbios cognitivos [1, 2, 7].

É importante mencionar que existem semelhanças entre os sintomas da síndrome de descontinuação com a recaída do paciente, o que indica a necessidade de atenção ao avaliar o quadro para que o diagnóstico seja correto. O diagnóstico errôneo está associado a danos na saúde do paciente, expondo-o a um uso prolongado de medicamentos [8]. Algumas diferenças entre os dois quadros podem ser notadas, sendo importante que o profissional de saúde que acompanha o paciente esteja atento a elas. Na síndrome, os sintomas podem se iniciar poucos dias após a interrupção do tratamento, enquanto que na recaída, geralmente se manifestam de 2 a 3 meses após o fim do tratamento, com o agravamento gradual do quadro clínico do paciente [1, 7]. As manifestações clínicas como parestesia, choques e náuseas também auxiliam na diferenciação do quadro, visto que esses sintomas não são característicos de alterações psiquiátricas [1].

Devido à apresentação clínica variada, natureza transitória e falta de características clínicas marcantes, existem divergências na literatura quanto à frequência, gravidade e tempo de duração da síndrome de descontinuação [4]. Relatórios internacionais, como as diretrizes da Associação da Psiquiatria Norte Americana e do Instituto Nacional em Saúde e Cuidados do Reino Unido, relatam que a síndrome é autolimitada (isto é, caracteriza-se por sintomas leves e transitórios) e dura cerca de 2 semanas [1, 8]. Porém, isso conflita com os resultados obtidos por muitos estudos e reunidos nas revisões da literatura [3, 8].

Uma revisão sistemática publicada em 2018 [8] analisou 24 estudos com o objetivo de encontrar dados atuais referentes à incidência, gravidade e tempo de duração da síndrome de descontinuação. No que diz respeito à incidência da síndrome, 17 dos 24 estudos selecionados discutiram esse dado, encontrando como resultado que, em média, 56% dos pacientes que fazem o desmame de antidepressivos desenvolvem algum sintoma da síndrome de descontinuação. Com relação à gravidade, os 17 estudos encontraram sintomas que variaram entre moderados a graves. Por fim, apenas 10 dos 24 estudos analisados verificaram o tempo de duração da síndrome, encontrando em 7 destes 10 artigos que os sintomas da síndrome são observados por tempo superior a 2 semanas, podendo durar algumas semanas e às vezes até alguns meses [8].

As divergências na literatura com relação a incidência, gravidade e tempo de duração da síndrome se dão por conta das diferenças clínicas e metodológicas de cada estudo, como o público, o tipo de antidepressivo utilizado e o tempo de tratamento médio entre os pacientes analisados [3]. Já as diferenças entre as diretrizes internacionais com as revisões mais atuais se dá, segundo as próprias revisões, por conta da desatualização dos dados dessas diretrizes [8]. Diferenças entre as classes de antidepressivos e do tempo de tratamento, como mencionado, possuem influência na probabilidade de desenvolvimento da síndrome de descontinuação. Sabe-se que medicamentos de meia vida curta são mais propensos ao desenvolvimento de sintomas pós-retirada quando comparados aos antidepressivos de meia vida longa [3, 6]. Além disso, um tempo mais longo de tratamento provavelmente provoca uma maior adaptação fisiológica, aumentando o risco do desenvolvimento da síndrome e sua gravidade [6]. Para além desses aspectos, existem outros fatores de risco relacionados ao desenvolvimento da síndrome de descontinuação, sendo eles: presença de sintomas de ansiedade no início do tratamento, doses altas do medicamento antes da interrupção, histórico prévio da síndrome e uso concomitante do antidepressivo com medicamentos de ação central (como anti-hipertensivos) [1, 7].

Com o objetivo de evitar o desenvolvimento da síndrome de descontinuação, há diversos estudos que testam metodologias efetivas para esse fim [7]. Até o momento não existe um método padronizado para se fazer a descontinuação dos antidepressivos, porém, muitos estudos de caso e de coorte indicam que o método de redução gradual da dose do medicamento é eficaz para prevenir a manifestação da síndrome ou de seus sintomas mais graves [2, 7]. Esse método consiste na diminuição progressiva da dose em uma quantidade fixa a cada semana [5]. Para exemplificar tal prática, a paroxetina 50 mg, um ISRS, pode ser interrompida retirando-se 10 mg de sua dose padrão por semana, durante 4 semanas, até a desprescrição completa [1]. Caso os sintomas da síndrome persistam após esse período, pode ser utilizado doses de 5 mg/dia durante uma ou duas semanas. Dessa forma, a descontinuação do tratamento pode ser feita da seguinte maneira: semana 1 – 40 mg/dia; semana 2 – 30 mg/dia; semana 3 – 20 mg/dia; semana 4 – 10 mg/dia [1]. Todavia o tempo da diminuição progressiva também depende de outros fatores que vão além do medicamento, como o tempo de duração da terapia, o tempo de meia vida do medicamento e a urgência [1, 7].

No cenário em que a descontinuação gradual falha ou não é aplicada, o paciente tem maior risco de desenvolver a síndrome de descontinuação. Em sua maioria, ela é resolvida espontaneamente, após algumas semanas de seu aparecimento [3]. Entretanto, em alguns casos, principalmente os mais graves, os sintomas podem demorar a desaparecer e podem comprometer o dia a dia do paciente, afetando inclusive sua produtividade no trabalho [3, 4]. Por esse motivo, é fundamental o acompanhamento médico no processo de retirada do antidepressivo e, caso ocorra o surgimento de sintomas, avaliar cuidadosamente o quadro, a fim de realizar o diagnóstico e manejo [4].

Por fim, ressalta-se que o farmacêutico possui um papel fundamental no processo da descontinuação dos antidepressivos. O farmacêutico não possui autonomia para desprescrever medicamentos antidepressivos, porém, é seu papel, caso realize o acompanhamento clínico farmacoterapêutico do paciente, comunicar ao médico como tem sido o uso desse medicamento e, se durante esse acompanhamento for identificada a necessidade de sua interrupção, seja por critérios de indicação, efetividade ou segurança, o profissional deve discutir com o prescritor sobre as possibilidades da interrupção do antidepressivo. Ademais, por ser um profissional mais acessível para a população, o farmacêutico possui um papel importante quanto a orientação do paciente sobre como se faz o processo de desmame/descontinuação gradual dos medicamentos, garantindo maior eficiência desse processo e, consequentemente, redução do risco do desenvolvimento da síndrome de descontinuação [9].

REFERÊNCIAS

  1. UPTODATE. Discontinuing antidepressant medications in adults.
  2. KNMP – Koninklijke Nederlandse Maatschappij ter Bevordering der Pharmacie. Multidisciplinair document ‘Afbouwen SSRI’s & SNRI’s’. MIND Landelijk Platform Psychische Gezondheid, Nederlands Huisartsen Genootschap (NHG), Set. 2018. Disponível em: https://www.knmp.nl/richtlijnen/afbouwen-ssris-snris. Acesso em: 10 mai. 2024.
  3. Fava, A. Giovanni; Cosci, Fiammetta. Understanding and Managing Withdrawal Syndromes After Discontinuation of Antidepressant Drugs. J Clin Psychiatry, v. 80, n. 6, Nov. 2019. DOI https://doi.org/10.4088/JCP.19com12794. Acesso em: 27 abr. 2024.
  4. CHRISTOPHER H. WARNER; WILLIAM BOBO; CAROLYNN WARNER; et al. Antidepressant Discontinuation Syndrome. Am Fam Physician, v. 74, n. 3, p. 449-456, Ago. 2006. Disponível em: https://www.aafp.org/pubs/afp/issues/2006/0801/p449.html. Acesso em: 10 mai. 2024.
  5. KNMP – Koninklijke Nederlandse Maatschappij ter Bevordering der Pharmacie. Multidisciplinair document ‘Afbouwen Overige Antidepressiva’ (anders dan SSRI’s en SNRI’s). MIND Landelijk Platform Psychische Gezondheid, Nederlands Huisartsen Genootschap (NHG), Mai. 2023. Disponível em: https://www.nhg.org/thema/psychische-huisartsenzorg/afbouwen-overige-antidepressiva/. Acesso em: 10 mai. 2024.
  6. Horowitz, M.A., Framer, A., Hengartner, M.P. et al. Estimating Risk of Antidepressant Withdrawal from a Review of Published Data. CNS Drugs, v. 37, p. 143–157, Dec 2022. DOI https://doi.org/10.1007/s40263-022-00960-y. Acesso em: 25 abr. 2024.
  7. BCFI – Belgisch centrum voor farmacotherapeutische informatie. Handvaten voor het afbouwen van antidepressiva (update 2024). Disponível em: https://www.bcfi.be/nl/handvaten-voor-het-afbouwen-van-antidepressiva-update-2024 Acesso em: 15 abril 2024.
  8. Davies, James; Read, John. A systematic review into the incidence, severity and duration of antidepressant withdrawal effects: Are guidelines evidence-based? Addictive Behaviors, v. 97, p. 111-121, Out 2019. DOI https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2018.08.027 Acesso em: 23 abr. 2024.
  9. Silva, S. M. G. O papel do farmacêutico na desprescrição da farmacoterapia em pacientes idosos. 2019. 22 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia) – Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. Disponível em: https://dspace.uniceplac.edu.br/bitstream/123456789/208/1/Gisele_Silva_0002187.pdf. Acesso em: 17 mai. 2024.

REFERÊNCIAS – INFOGRÁFICO

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