Editorial
Por Edson Perini e Cristiane Menezes de Pádua
O ano de 1990 nos ameaçava com um fim melancólico. Éramos um pequeno grupo de professores, no menor departamento da UFMG, e assistíamos angustiados o fluir de muitas ideias. O medo de que nossos ideais fossem insuficientes para romper as forças inerciais nos assustava. Nossas reuniões eram sufocantes. Diante de nós poucas referências, em geral espalhadas sobre a mesa. Ainda me lembro de ‘A invasão Farmacêutica’ (Dupuy & Karsenty), terrivelmente atual, trazendo-nos uma perspectiva forânea já madura, e de ‘A questão dos remédios no Brasil – Produção e Consumo’ (Geraldo Giovanni), apontando uma abordagem autóctone dos determinantes e consequências médico-sociais do consumo de medicamentos, mostrando que as análises dos filósofos franceses nada tinham de exótico ao Brasil. A cada artigo que se espalhava naquela mesa ficava mais clara a necessidade de inserir mais uma perspectiva na formação farmacêutica em nossa escola, além das tradicionais.
Lá fora, a Farmacoepidemiologia singrava de vento em popa – ainda nova, mas pujante, com a força e a graça próprias da juventude, e a alegria de um vento novo, novos ares. Aqui enumerávamos as poucas (e boas) produções, fruto de pessoas isoladas, cujos gênios irrequietos nos mostravam caminhos. Éramos um grupo pequeno, formado há pouco tempo em uma ilha na estrutura acadêmica da farmácia no país. Não tínhamos uma formação robusta, mas sobrava convicção de que parcela considerável dos estudantes da Faculdade de Farmácia da UFMG dividia conosco essa angústia. Portanto, encontrar uma ideia que trouxesse a eles oportunidade de conhecer essa (então) nova faceta do medicamento que se descortinava para nós era uma questão de honra, e para nós um caminho para nos formar enquanto trabalhávamos na formação deles. Não era justo que, por fraqueza, tudo que estudávamos ficasse restrito a nós. A reforma curricular, que permitiu a formação de nosso departamento e criação de algumas disciplinas, era insuficiente. Precisávamos estar mais próximos deles.
Assim nasceu o Centro de Estudos do Medicamento, o Cemed, em 1991. Um projeto, uma ideia que se misturava à fumaça dos cigarros e às pequenas xícaras de café com suas riscas azuis sobre uma mesa meio carcomida. Bastou uma estante e um arquivo de metal, alguns livros e artigos e tudo nos pareceu esperança: tínhamos uma ideia!
A vida nos espalhava segundo as necessidades de cada um, ao mesmo tempo em que a nossa formação se aprofundava. E cada vez mais estudantes gravitavam em torno dessa ideia. Muitos se espalham no país (ou fora dele) em diferentes frentes de trabalho, e nos brindam com suas aparições, eventuais e fisicamente distantes, porém sempre próximas do sentimento partilhado. Hoje, passados 30 anos, a alegria se renova a cada estudante e profissional que alimenta o sonho e o torna uma nova realidade a cada texto publicado, a cada seminário, a cada pesquisa, ampliando essa experiência com suas expertises nas novas tecnologias de informação.
O desafio online da comunicação em saúde vem se aprofundando no uso das redes sociais. À medida que as redes sociais se tornam canais “obrigatórios”, o Cemed se adapta às novas demandas de comunicação com seu público. Durante a pandemia de COVID-19, nosso trabalho adotou o modo remoto, e o uso de ferramentas virtuais nos permite dar continuidade às atividades de formação acadêmica, extensão universitária e pesquisa. E, neste contexto, a informação sobre saúde e medicamentos, qualificada pela interpretação clara das evidências científicas que as embasam, acessível a públicos diferentes e isenta de interesses comerciais tem se mostrado ainda mais necessária, legitimando o papel dos centros de informação do medicamento.
Nesses 30 anos, muita coisa aconteceu. Mas as centenas de pessoas que por aqui passaram, estudantes de graduação, de pós-graduação e profissionais, e aqueles que ainda hoje fazem deste um espaço de cultura, de ciência e de alegria, são nossas grandes homenageadas. A todos que fizeram parte dessa história, nosso sincero agradecimento!