por Alícia Amanda Moreira Costa*
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, estimava-se que 36,9 milhões de pessoas viviam com HIV (vírus da imunodeficiência humana) em todo o mundo em 2017. No entanto, apenas 59% dos adultos e 52% das crianças tiveram acesso à terapia antirretroviral (TARV)1. Já no Brasil, a estimativa era que ao final de 2017 havia aproximadamente 866 mil pessoas vivendo com HIV, das quais 84% (731 mil) já haviam sido diagnosticadas. Das pessoas diagnosticadas, 75% faziam uso de TARV e 92% delas atingiram a supressão viral desejável (carga viral inferior a 1000 cópias/mL)2. Destaca-se, portanto, que no quesito supressão viral o Brasil já ultrapassou a meta estabelecida pela UNAIDS, que propõe que até 2020, 90% das pessoas conheçam seu estado sorológico, 90% das pessoas diagnosticadas façam uso de TARV e 90% das pessoas em tratamento alcancem a supressão viral3.
O Brasil tornou-se referência mundial no enfrentamento ao HIV4, pois o SUS oferece gratuitamente os medicamentos antirretrovirais de uso contínuo a toda população soropositiva, além de disponibilizar atendimento médico, testagem sorológica, preservativos e outras estratégias de prevenção como PrEP (profilaxia de pré-exposição) e PEP5(profilaxia de pós-exposição). A TARV proporciona um aumento de sobrevida e melhoria da qualidade de vida às pessoas que vivem com HIV, já que evita o enfraquecimento do sistema imunológico6. Contudo, estudos apontam que essas pessoas possuem um risco maior em desenvolver alterações do metabolismo ósseo, como osteopenia e osteoporose. A osteopenia é uma condição clínica em que ocorre diminuição da densidade mineral óssea (DMO) e, quando não tratada, pode levar ao desenvolvimento de osteoporose. A osteoporose é caracterizada pela diminuição da DMO e deterioração da microarquitetura óssea, causando deformidades7,8,9,10,11,12.
Os mecanismos que explicam a relação da infecção pelo HIV e a fragilidade óssea ainda não são completamente elucidados8,9, mas sabe-se que a infecção pelo vírus causa efeitos diretos sobre as células osteogênicas (células que constituem o tecido ósseo e são responsáveis pela sua renovação)5,7. Sabe-se também que fatores de risco como idade avançada, sedentarismo, tabagismo, uso excessivo de álcool, baixo índice de massa corporal, outras comorbidades e uso de medicamentos inibidores da bomba de prótons, anticonvulsivantes e corticoides contribuem para diminuição da DMO e aumento da probabilidade da ocorrência de fraturas5,8 Além disso, muitos estudos associam o uso dos medicamentos antirretrovirais com uma alteração no metabolismo ósseo7,9.
Os antirretrovirais da classe dos inibidores de protease e o tenofovir (inibidor da transcriptase reversa análogo de nucleosídeo) têm sido descritos como os principais responsáveis por causar diminuições na DMO5,7,9,10,11. Em muitos esquemas antirretrovirais, a DMO sofre redução de 2% a 6% durante os dois primeiros anos de tratamento, mas se estabiliza após esse período5,8. O provável mecanismo é que os antirretrovirais levem a perda de fosfato no túbulo renal proximal, causando como consequência a desmineralização óssea5.
Sendo assim, pessoas que vivem com HIV que possuem história pregressa de fraturas devido à fragilidade óssea, que usaram corticoide por mais de três meses ou com alto risco de queda devem ser monitoradas para identificação de alterações ósseas. Para isso é utilizada a ferramenta FRAX (Fracture Risk Assesment Tool), que é um algoritmo capaz de estimar o risco de fraturas em 10 anos, com base em fatores clínicos. Homens e mulheres com mais de 40 anos que vivem com HIV também devem realizá-lo a cada dois a três anos ou caso surja um novo risco clínico.
A estratégia de tratamento da perda de DMO para as pessoas que vivem com HIV é semelhante à da população em geral. Medidas não farmacológicas como cessar o tabagismo, evitar a ingestão de bebidas alcoólicas e realizar atividade física com exercícios de fortalecimento muscular são essenciais. A ingestão de cálcio e vitamina D também é recomendada. O cálcio deve ser ingerido por meio da própria dieta alimentar, mas caso a quantidade mínima diária não seja atingida (mulheres pós-menopausa: 1200 mg/dia; homens com mais de 50 anos: 1000 mg/dia; homens com mais de 70 anos: 1200 mg/dia) suplementos contendo cálcio podem ser usados. A vitamina D deve ser ingerida quando os níveis de 25 OH (25-hidróxi-colecalciferol) estiverem abaixo de 30 ng/mL5.
As medidas farmacológicas são recomendadas para pacientes com alto risco de fraturas, especialmente mulheres pós-menopausa e homens com mais de 50 anos. Os medicamentos de primeira escolha são os bifosfonados, sendo o alendronato a opção mais usada. A orientação do tratamento deve ser feita pelo médico e outros profissionais de saúde, a partir da análise individualizada do paciente5.
* A autora do texto é graduanda do curso de farmácia e aluna de iniciação científica do projeto de pesquisa “Alterações metabólicas entre pessoas vivendo com o HIV em uso prolongado de antirretrovirais”.
Referências:
1 Organização Mundial de Saúde. Fact sheets: HIV/AIDS. Internet. [acesso em março/2019]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/hiv-aids
2 Ministério da Saúde. Relatório de Monitoramento Clínico do HIV. 3ª edição. Brasília. 2018
3 UNAIDS. 90-90-90: An ambitious treatment target to help end the aids epidemic. Internet [acesso em março/2019]. Disponível em: http://www.unaids.org/en/resources/909090
4 Governo do Brasil. Tratamento brasileiro contra HIV/Aids se consolida como referência mundial. Internet [acesso em março/2019]. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/saude/2018/12/em-30-anos-tratamento-brasileiro-contra-hiv-aids-se-consolida-como-referencia-mundial
5 Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. 1ª edição. Brasília. 2018.
6 Hallal R, Ravasi G, Kuchenbecker R, Greco D, Simão M. O acesso universal ao tratamento antirretroviral no Brasil. Revista Tempus Actas em Saúde Pública. 2010;4:53-66.
7 Lima AL, de Oliveira PR, Plapler PG, Marcolino FM, de Souza Meirelles E, Sugawara A, et al. Osteopenia and osteoporosis in people living with HIV: multiprofessional approach. HIV/AIDS (Auckland, NZ). 2011;3:117-24.
8 Compston J. Osteoporosis and fracture risk associated with HIV infection and treatment. Endocrinology and Metabolism Clinics. 2014;43(3):769-80.
9 Neto LFP, Ragi-Eis S, Vieira NF, Soprani M, Neves MB, Ribeiro-Rodrigues R, et al. Low bone mass prevalence, therapy type, and clinical risk factors in an HIV-infected Brazilian population. Journal of Clinical Densitometry. 2011;14(4):434-9
10 Cervero M, Torres R, Agud JL, Alcázar V, Jusdado JJ, García-Lacalle C, et al. Prevalence of and risk factors for low bone mineral density in Spanish treated HIV-infected patients. PloS one. 2018;13(4):e0196201.
11 Stone B, Dockrell D, Bowman C, McCloskey E. HIV and bone disease. Archives of Biochemistry and Biophysics. 2010;503(1):66-77.
12 Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. Volume 3. 1ª edição. Brasília. 2014. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Protocolos/Livros/LivroPCDT_VolumeIII.pdf