Por Mariana Colen
A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório com foco em um tema de grande importância: a resistência aos antimicrobianos*1. Apesar do assunto ser discutido há décadas, o Relatório Global de Vigilância em Resistência Antimicrobiana, publicado em 2014, evidencia a possibilidade de nos depararmos brevemente com uma era pós-antimicrobianos. Nesse contexto, infecções comuns e pequenas lesões poderiam levar indivíduos a óbito, pois não seria possível eliminar os microrganismos antes susceptíveis aos medicamentos, sobretudo as bactérias. Esse cenário era, até então, considerado somente uma possibilidade. No entanto, a “era pós-antibiótico”, como denominada pela OMS, pode estar mais perto do que pensávamos2.
A resistência aos antimicrobianos surge devido a mutações que ocorrem nos microrganismos e pela pressão seletiva induzida pelo uso excessivo desses medicamentos, entre outros mecanismos3. Nesse contexto, os microrganismos mutantes adquirem certa vantagem em relação aos demais. O uso de antimicrobianos em doses subterapêuticas também contribui para a pressão seletiva4. Como resultado, há redução da eficácia de fármacos antibacterianos, antiparasitários, antivirais e antifúngicos, o que pode tornar o tratamento muito complexo.
O impacto desse fenômeno em indivíduos com a saúde vulnerável é evidente, resultando no prolongamento da doença e aumento de mortalidade2. Infecções por microrganismos resistentes aos antimicrobianos representam maior custo em relação às infecções por organismos susceptíveis, já que fármacos mais efetivos contra determinados microrganismos e que foram desenvolvidos recentemente são em geral mais caros que os tradicionais. O aumento do custo também se relaciona com a necessidade de maior tempo de hospitalização por pacientes infectados por microrganismos resistentes3.
Estima-se que cerca de 25 mil pessoas vão a óbito a cada ano na Europa devido a infecções por bactérias resistentes a antibióticos. Um estudo realizado entre 1991 e 2012 no Reino Unido evidenciou falha terapêutica em pelo menos um em dez tratamentos iniciais com antimicrobianos em infecções comuns5. Já nos Estados Unidos, infecções por bactérias do tipo invasivas classificadas como “Staphylococcus aureus resistente à meticilina” (MRSA) levaram a 94 mil hospitalizações e foram associadas a 19 mil mortes em 20054.
A revisão regular dos protocolos de tratamento nas unidades de saúde, a implementação de rotinas básicas de higiene nos hospitais, o diagnóstico rápido de patógenos em infecções e sua susceptibilidade aos antibióticos são medidas essenciais e urgentes a serem tomadas para mudar esse contexto. Além disso, para reduzir a demanda por antibióticos, campanhas educacionais para conscientização tanto de profissionais de saúde como da população em geral devem ser realizadas. Todos os esforços devem ser direcionados para que seja vencido o desafio da iminente era pós-antimicrobianos4.
*Nota: Os antimicrobianos são substâncias naturais (antibióticos) ou sintéticas (quimioterápicos) que agem sobre microrganismos, inibindo seu crescimento ou causando sua destruição1.
REFERÊNCIAS 1 Mota, L.M. et al. Uso racional de antimicrobianos. Medicina (Ribeirão Preto). 2010; 43(2): 164-72. Acesso em 14 de Novembro de 2014. Disponível em http://revista.fmrp.usp.br/2010/vol43n2/Simp8_Uso%20racional%20de%20antimicrobianos.pdf. 2 Antimicrobial Resistance. Global Report on surveillance. World Health Organization. Acesso em 17 de Junho de 2014. Disponível em http://www.who.int/drugresistance/documents/surveillancereport/en/. 3 Corrêa, L.; Silva, E.U. Uso racional de antimicrobianos e a resistência microbiana. Acesso em 31 de Outubro de 2014. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/cursos/atm_racional/modulo1/objetivos.htm. 4 Laxminarayan, R.; Duse, A. et al. Antibiotic resistance – the need for global solutions. Lancet Infect Dis. 2013; 13:1057-98. 5 Currie, C.J. et al. Antibiotic treatment failure in four common infections in UK primary care 1991-2012: longitudinal analysis. BMJ. 2014; 349: 1-13.