Da prevenção ao tratamento: a evolução dos medicamentos para asma e como eles ajudam a controlar a doença

Por Bruna Michelly Silva Cordeiro e Izabella Guerra

A asma é uma doença que tem sido registrada ao longo da história da humanidade. No antigo Egito, os médicos a descreviam como uma doença que causava falta de ar e tosse, na qual eles chamavam de “pescoço apertado”.1 Nesse período, havia disponível uma variedade de tratamentos para alívio dos sintomas, incluindo misturas de ervas e massagens na região torácica.1 

Na Grécia antiga, Hipócrates, conhecido como o pai da medicina, descreveu uma doença e a chamou de “asma”.1 Este, por sua vez, observou que a enfermidade era mais comum em pessoas que viviam em áreas úmidas e esfumaçadas, e que os sintomas eram aliviados por meio de atividade física e mudanças na dieta.1

No entanto, somente no final do século XIX, os médicos começaram a entender a natureza patológica da asma. Em 1892, um médico austríaco chamado Heinrich von Bamberger publicou um artigo descrevendo a asma como uma doença crônica que envolve inflamação das vias respiratórias e espasmos musculares. Ele também foi o primeiro a sugerir o uso de adrenalina para tratar os sintomas agudos de asma.1

Atualmente, sabe-se que a asma afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Ela é caracterizada pela inflamação e estreitamento dos tubos bronquiais, que pode ocasionar uma série de sintomas desagradáveis, como dificuldade para respirar, tosse, chiado no peito e outros.2 Embora não tenha cura, é possível controlar seus sintomas e evitar crises por meio de tratamentos médicos adequados e, sobretudo, mudanças no estilo de vida.3

Os medicamentos para o tratamento da asma podem ser divididos em dois tipos principais: medicamentos para alívio rápido dos sintomas e medicamentos para controle e redução de crises. 

  • Medicamentos de alívio rápido: são usados ​​para tratar crises agudas de asma, agem como broncodilatadores, e podem apresentar ação de curta ou longa duração. Estimulam a dilatação das vias aéreas e devem ser utilizados no tratamento das crises asmáticas. Seus efeitos aparecem em até dois minutos e, no caso dos de curta ação, duram de duas a seis horas, já os de longa ação têm seus efeitos por até 12 horas. Entre eles estão incluídos medicamentos como salbutamol, fenoterol e ipratrópio.4 Esses medicamentos são geralmente administrados por inalação ou nebulização, o que ajuda a levar o medicamento diretamente às vias respiratórias.
  • Medicamentos para controle e redução de crises: são utilizados diariamente para prevenir crises de asma e diminuem a inflamação das vias respiratórias.4 Geralmente são administrados por inalação, mas também por via oral, e incluem corticosteróides (ex. fluticasona, budesonida e beclometasona) em sua composição, que reduzem a inflamação das vias respiratórias, e antagonistas dos receptores de leucotrienos (ex. montelucaste e zafirlucaste), que ajudam a controlar a resposta inflamatória característica da condição.4 Esses medicamentos podem levar semanas para começar a gerar uma resposta no organismo, mas quando usados ​​corretamente, podem reduzir significativamente o número de crises de asma.5

Existem também os medicamentos combinados, que contêm tanto um broncodilatador, quanto um corticosteroide inalatório, como o salmeterol/fluticasona.4 Esses medicamentos são eficazes no controle da asma em pessoas que precisam de ambos os tipos de medicamentos.

As principais características dos medicamentos citados estão descritas no quadro:

É importante lembrar que os medicamentos para asma devem ser prescritos e ter seu uso acompanhado por profissionais especializados. Cada paciente tem um tratamento específico, de acordo com o seu quadro clínico e seus sintomas.5 O uso inadequado dos medicamentos pode agravar a doença e aumentar o risco de crises. Assim, consulte sempre seu médico e farmacêutico de confiança.

Além disso, a prevenção entra como fator crucial para evitar as crises, e ela começa com a adoção de hábitos saudáveis.5 Algumas mudanças simples no estilo de vida podem ajudar a controlar a doença. Veja a seguir algumas dicas para prevenir as crises de asma: 

Em síntese, prevenir é o melhor remédio para a asma.6 Além do uso correto dos medicamentos, a adoção de hábitos saudáveis é fundamental para controlar a doença, sendo assim, sempre que possível pratique exercícios físicos e evite exposição a situações que possam desencadear novas crises, além de informar-se sobre o melhor tratamento disponível para o seu quadro. Com uma combinação de tratamento farmacológico adequado e mudanças simples no estilo de vida, é possível controlar a asma e ter uma vida saudável.7

Referências:

  1. KEENEY EL. THE HISTORY OF ASTHMA FROM HIPPOCRATES TO MELTZER. J Allergy. 1964 May-Jun;35:215-26. doi: 10.1016/0021-8707(64)90004-8. PMID: 14160430.
  2. Vargas Becerra MH. Fisiopatología del asma. Rev Alerg Mex. 2009;56 Suppl 1:S24-8. Rodrigues, Amanda Santos, et al. “Abordagem geral da asma: uma revisão narrativa.” Revista Eletrônica Acervo Médico 1.2 (2021): e9129-e9129.
  3. Bczuska, Juliane Coimbra, and Eduardo Pietruchisnki. “ASMA: UMA         ABORDAGEM FISIOPATOLÓGICA.” Anais do Salão de Iniciação Científica Tecnológica ISSN-2358-8446 1 (2021).
  4.  Silva, Lara Guimarães, et al. “Assistência farmacêutica para pacientes com asma: revisão integrativa.” Revista Artigos. Com 34 (2022): e9451-e9451.
  5. Moura, JAR, Camargos PAMC,  Blic J. “Tratamento profilático da asma.” Jornal de Pediatria 78 (2002): 141-150.
  6. Garcia-Larsen V, Del Giacco SR, Moreira A, et al.. Asthma and dietary intake: an overview of systematic reviews. Allergy. 2016; ;71(4):433-42

Referências do quadro:

  1. ANVISA. Montelucaste de sódio, bulário eletrônico. Publicado em 12 de janeiro de 2022. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351221835201011/
  2. ANVISA. Sulfato de Salbutamol, bulário eletrônico. Publicado em 07 de março de 2022. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351259374201907/
  3. SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. Salmeterol + Fluticasona. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/532218/Salmoterolfluticasona.pdf/83e1def5-809e-e6cf-6cfe-0c58a806b2df?t=1648998429998
  4. ANVISA. Brometo de Ipratrópio, bulário eletrônico. Publicado em 19 de julho de 2021. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351012052201998/
  5. ANVISA. Budesonida, bulário eletrônico. Publicado em 25 de abril de 2021. Disponível em:  https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351869125201671/
  6. SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. Fluticasona. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/533483/FLUTICASONA.pdf/c4141509-7138-bef2-23e1-5be6f11958ee?t=1649000858984
  7. ANVISA. Flutivate, bulário eletrônico. Publicado em 15 de março de 2021. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351069436200315/
  8.  MANUAL MSD. Medicamentos para prevenir e tratar a asma. Publicado em março de 2022. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-pulmonares-e-das-vias-respirat%C3%B3rias/asma/medicamentos-para-prevenir-e-tratar-a-asma 

O uso inalatório de anti-inflamatórios esteroides na infância pode retardar o crescimento?

por Paloma Cristina Torres

Asthma1A-770x470Os anti-inflamatórios esteroides (AIEs), também conhecidos como corticoides ou corticosteroides, são análogos sintéticos dos glicocorticoides e mineralocorticoides naturais (hormônios derivados do colesterol) que agem no organismo como reguladores do metabolismo dos carboidratos e do equilíbrio eletrolítico, respectivamente1,2,3.

Os AIEs são amplamente utilizados no tratamento de doenças inflamatórias, alérgicas, imunológicas e reumatológicas1,2. Em crianças e adolescentes, essa classe de medicamentos é bastante usada no tratamento de doenças crônicas, incluindo as respiratórias4. Devido a sua eficácia em suprimir a resposta inflamatória, o uso dos corticosteroides inalatórios (CI) está entre as opções mais importantes usadas no tratamento da asma. Entretanto, existe grande preocupação e incerteza quanto ao possível risco de retardo do crescimento induzido por esses medicamentos5,6,7.

Em uma revisão sistemática foi avaliada a associação entre o uso prolongado dos CI para tratamento da asma e o retardo no crescimento. Foram incluídos na revisão 23 estudos, compreendendo 20 ensaios clínicos randomizados e três estudos observacionais. Cada estudo incluído compreendia no mínimo 20 usuários de cada tipo de corticosteroide inalatório e teve pelo menos 52 semanas de duração. As formulações de CI estudadas foram: beclometasona, budesonida, ciclesonida, flunisolida, fluticasona e mometasona8.

Uma parte dos estudos apresentou diferenças comparativas na velocidade de crescimento (cm/ano) das crianças e outra parte mostrou comparações da altura final de pessoas que fizeram ou não uso de medicamentos na infância para tratamento de asma. Os agentes beclometasona, budesonida e fluticasona foram individualmente associados com reduções significativas na velocidade de crescimento nas comparações feitas com pacientes que não utilizaram corticosteroides. Para outros CI, tais como ciclesonida, flunisolida, ou mometasona, encontrou-se apenas dados dispersos. No geral, o uso dos CI foi associado a leve diminuição do crescimento (-0,48 cm/ano) e a menor altura média na idade adulta (reduzida em 0,7 a 1,2 cm) em comparação aos grupos controle. Sendo assim, observa-se que o impacto no crescimento é aparentemente pouco relevante frente aos benefícios que o tratamento pode proporcionar às crianças que sofrem com asma8.

Outro achado interessante da revisão foi o de que a suscetibilidade aos efeitos adversos dos CI parece ser menos acentuada nas crianças com mais de 10 anos, o que foi um dado consistente em vários ensaios. Observou-se também que os efeitos dos corticosteroides sobre o crescimento são possivelmente relacionados à dose, sendo as doses menores aparentemente menos prejudiciais8.

Portanto, os prescritores devem utilizar a menor dose efetiva ao definirem a terapia para asma com CI, especialmente para as crianças mais jovens, que parecem ser mais suscetíveis aos efeitos adversos9. Ademais, vale lembrar que a suspensão do uso dos anti-inflamatórios esteroides, quando indicada, deve ser feita de maneira gradual, pois, quando feita de forma abrupta pode resultar em hipotensão, choque, taquicardia, náusea, vômito, anorexia, fraqueza, apatia, hipoglicemia, confusão mental e desorientação1,2,4,9.

O tratamento com corticosteroides inalatórios geralmente contribui significativamente para garantir o bem estar de indivíduos com asma. Por isso, os pacientes e seus pais/responsáveis devem estar atentos às técnicas de uso correto desses medicamentos e às orientações de profissionais de saúde para alcançar sucesso no tratamento e evitar eventos adversos.

Referências

  1. Danni Fuchs F, Wannmacher L. Farmacologia clínica fundamentos da terapêutica racional. 4ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. p. 422-434.
  2. Laurence L. Brunton, Bruce A. Chabner, Björn C. Knollmann. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman. 12ª edição. Porto Alegre: AMGH; 2012. p. 1031-1065.
  3. Bertram G. Katzung, Anthony J. Trevor. Farmacologia básica e clínica. 12ª edição. Porto Alegre: AMGH; 2014. seção VII.
  4. Abrantes M, Oliveira E, Lamounier J, Cardoso L. A influência dos corticosteroides no crescimento de crianças e adolescentes com síndrome nefrótica. Revista Médica de Minas Gerais (RMMG). 2005; acesso 2018 out 10; 15(2):97-104. Disponível em: http://www.rmmg.org/artigo/detalhes/1439
  5. Morosco G, Kiley J. Guidelines for the diagnosis and management of asthma-summary. Journal of Allergy and Clinical Immunology. 2007; 120(5):94-138. Acesso 2018 out 10. DOI https://doi.org/10.1016/j.jaci.2007.09.029
  6. Brian J. Lipworth. Systemic adverse effects of inhaled corticosteroid therapy a systematic review and meta-analysis. Archives of Internal Medicine. 1999; acesso 2018 out 11; 159(9):941-55. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/485026
  7. Wong C, Walsh L, Smith C, Wisniewski A, Lewis S, Hubbard R. Inhaled corticosteroids, bone density, and risk of fracture. The Lancet. 2000; 355(9213): 1399-1403. Acesso 2018 out 11. DOI https://doi.org/10.1016/S0140-6736(00)02134-6
  8. Loke Y, Blanco P, Thavarajah M, Wilson A. Journal Plos One 2015. Impact of inhaled corticosteroids on growth in children with asthma: systematic review and meta-analysis. PLOS ONE. 2015; acesso 2018 out 11. DOI https://doi.org/10.1371/journal.pone.0133428
  9. Romanholi D, Salgado L. Síndrome de cushing exógena e retirada de glicocorticoides. Bras. Endocrinol Metab. 2007; acesso 2018 out 10; 51(8):1280-1292. Acesso 2018 out 10. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abem/v51n8/12.pdf