Meningite Meningocócica: principais características e a importância da vacinação

Por Augusto Cesar e Nathália Quetz

A meningite é uma inflamação das meninges (membranas que recobrem o cérebro e medula espinhal) e pode ser causada por uma variedade de organismos, incluindo vírus, fungos e bactérias. A meningite meningocócica é a forma mais frequente da Doença Meningocócica Invasiva (DMI) que refere-se às doenças invasivas causadas pela infecção da bactéria Neisseria meningitidis, como septicemia, artrite e a meningite1. A meningite meningocócica possui rápida evolução, com altas taxas de complicações e sequelas aos indivíduos. Além disso, pode causar sérios danos ao cérebro e é fatal em 50% dos casos, se não tratada com urgência2,3.

Atualmente já foram identificados 12 sorogrupos de N. meningitidis, sendo que os tipos A, B, C, W, X e Y podem causar doença invasiva e, consequentemente, epidemias. No Brasil, a meningite meningocócica é endêmica, ocorrendo mais frequentemente nos meses de outono-inverno, e os principais sorogrupos circulantes são B, C, W e Y. O sorogrupo C é o principal responsável pela doença no país, sendo sua frequência de aproximadamente 27% dos casos registrados em 20184,5

A meningite meningocócica pode afetar indivíduos de várias idades, porém os casos mais recorrentes ocorrem  em bebês menores de 1 ano, crianças entre 1-9 anos de idade e adolescentes5. A transmissão da bactéria N. meningitidis ocorre por meio de gotículas e secreções do nariz e da garganta da pessoa infectada. Além disso, a aglomeração e o compartilhamento de cigarro entre adolescentes pode facilitar a disseminação da doença. É importante lembrar que algumas pessoas não manifestam sintomas, e mesmo assim, podem transmitir a bactéria para outros indivíduos4

O período de contato com a bactéria até o aparecimento dos sintomas pode levar de 2 a 10 dias. Os sintomas incluem febre, dor de cabeça, rigidez no pescoço, sensibilidade à luz, confusão e náusea. Na septicemia meningocócica, uma forma grave e menos comum da DMI, podem aparecer sintomas como: fadiga, calafrios, dores severas, respiração rápida, diarreia e manchas vermelhas pelo corpo. Em recém-nascidos e bebês, alguns dos sintomas descritos acima podem estar ausentes ou difíceis de serem percebidos. O bebê pode ficar irritado, vomitar, alimentar-se mal ou parecer letárgico ou irresponsivo a estímulos. Também podem apresentar a moleira protuberante ou reflexos anormais2,4.

Em caso de suspeita de meningite meningocócica, deve-se procurar atendimento médico imediatamente. O diagnóstico é feito a partir de exames de sangue e líquido cerebroespinhal (líquor), que é coletado através de uma punção na região lombar. A partir do diagnóstico, o médico avaliará como tratar a infecção de acordo com a identificação do sorogrupo causador4.  

Para o tratamento das meningites bacterianas, é necessário o uso de antibioticoterapia em ambiente hospitalar e, geralmente, é necessário realizar um exame para detecção de possíveis resistências bacterianas, optando, assim, pela terapia mais adequada2

A melhor forma de prevenção da meningite meningocócica é a vacinação. De acordo com o calendário de vacinação estabelecido pelo Programa Nacional de Imunização (PNI/MS), as crianças devem tomar a primeira dose da vacina meningocócica C no 3° mês de vida, a segunda dose no 5° mês e o reforço quando completar 12 meses. A partir de 2020, foi incorporado ao calendário nacional de vacinação a Meningocócica ACWY que é uma vacina ampla para quatro tipos da doença. Terão direito a esta vacina adolescentes de 11 a 12 anos, sendo aplicada em dose única independentemente da situação vacinal do indivíduo8. A vacina meningocócica C conjugada com a proteína CRM197 não possui o microrganismo causador da doença, e sim uma molécula de açúcar produzida por ele, o que confere mais segurança6. É importante ressaltar que a proteção conferida pela vacina é sorogrupo específica7.

Com a introdução da vacina Meningocócica C conjugada no Brasil, houve uma redução do número de casos da meningite meningocócica na população alvo e uma diminuição da circulação do sorogrupo C9. No entanto, o sorogrupo W vem se tornando cada vez mais prevalente. Dessa forma, a implementação da vacina ACWY no calendário de vacinação foi uma medida de extrema importância para redução dos índices da doença em todo território brasileiro10.

Referências bibliográficas:

1. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Meningitis. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/meningitis#. Acesso em: 31 mar. 2021.

2. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Meningococcal meningitis. 2018. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/meningococcal-meningitis. Acesso em: 31 mar. 2021.

3. BAHIA. SECRETARIA DA SAÚDE DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Guia de Vigilância das Meningites. 2019. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2019/05/2017-Guia-de-Vigil%C3%A2ncia-das-Meningites.pdf. Acesso em: 31 mar. 2021.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde de A a Z. Meningites. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/meningites. Acesso em: 17 out. 2020.

5. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Casos confirmados, óbitos, incidência (por 100.000 habitantes) e letalidade (%) por tipo de meningite. 2010 a 2018. 2019. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2019/abril/25/tabela-dados-2010-2018-site.pdf. Acesso em: 17 out. 2020.

6. MINAS GERAIS. FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS. Vacina adsorvida meningocócica C (conjugada). Disponível em: http://www.funed.mg.gov.br/vacina-adsorvida-meningococica-c-conjugada/. Acesso em: 17 out. 2020.

7. DISTRITO FEDERAL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. GUIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. 2019. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/junho/25/guia-vigilancia-saude-volume-unico-3ed.pdf. Acesso em: 17 out. 2020.

8. GOIÁS. SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS. Calendário Nacional de Vacinação. 2020. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/files/imunizacao/calendario/Calendario.Nacional.Vacinacao.2020.atualizado.pdf. Acesso em: 17 out. 2020.

9. Evellyn do Macedo, L., Ferreira, V. M., Feitosa, C. A., Nunes, A. M. P. B., Campos, L. C., & Sáfadi, M. A. P. (2018). Impact of meningococcal C conjugate vaccination programs with and without catch-up campaigns in adolescents: Lessons learned from Bahia, Brazil. Human Vaccines & Immunotherapeutics, 14(5), 1131–1137. doi:10.1080/21645515.2017.1415682 

10. DISTRITO FEDERAL. Conitec. Ministério da Saúde. Vacina meningocócica ACWY (conjugada) para adolescentes de 11 e 12 anos no Calendário Nacional de Vacinação. 2020. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2020/Relatorio_CP_acwy_11_12_anos_23_2020.pdf. Acesso em: 17 out. 2020.

Pandemia Covid-19: o fim não está próximo!

por Edson Perini

Quem dirige em estrada sabe que os maiores riscos estão na parte final da viagem. Cansados, nos distraímos facilmente; ansiosos, pisamos mais fundo no acelerador. Esse risco é diretamente proporcional ao tamanho da viagem. Essa pode ser uma metáfora interessante para o momento que vivemos da pandemia de Covid-19 no Brasil. Bastou um leve descenso na curva, e lá vamos nós com praias lotadas, bares em alvoroço, comércio eufórico. Juntando isso a um discurso negacionista que os setores governamentais e seus satélites mantém, temos um caldeirão de onde qualquer poção mágica pode ser esperada.

Sequer vencemos a euforia da cloroquina, assistimos a da ivermectina, seguida de tantas outras promessas milagrosas. E agora convivemos com autoridades aflitas por uma vacina, desatentas à história da ciência que nos recomenda cautela. Até o início de setembro a OMS não apostava suas fichas na vacinação em massa para antes de meados de 2021. Hoje temos pelo menos nove promessas de vacinas em teste, em diferentes estágios. É preciso salientar que ser eficaz não significa ser segura. Reações autoimune são possíveis. Um diagnóstico de mielite transversa, síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal, foi anunciado em um voluntário dos testes em uma dessa vacinas, que felizmente não passou de um susto. E os russos nos assustam com um futuro promissor em testes de Fase I e II com alguns caraminguás, que a bem da verdade formariam uma boa casuística para a Fase I. Tudo isso não deve nos paralisar, mas precisamos entender o momento que vivemos. A ciência tem avançado em uma velocidade nunca vista, mas é preciso segurança em seus resultados. E torcer para que, se avançarmos algum sinal vermelho, que a farmacovigilância (sin. estudos de fase IV, pós-comercialização) nos permita corrigir oportunamente e evitar danos maiores ao chamado “mundo real”, o uso em larga escala posterior à liberação dos produtos.

Quanto tempo leva para desenvolver uma vacina? Essa é uma pergunta difícil de responder. Muitos fatores influenciam no andamento das pesquisas, mas se desconsiderarmos as primeiras fases, a pré-clínica, em animais, e as fases I e II da fase clínica (em humanos, porém com número relativamente pequeno de voluntários), a Fase III dificilmente é desenvolvida em menos de um ano. Entra em jogo, além de questões logísticas e do tempo necessário de observação, a plataforma de seu desenvolvimento. As vacinas ditas de terceira geração, essas que usam material genético do agente causal da doença, possibilitaram uma redução substancial no tempo de produção e desenvolvimento da vacina e sua investigação em relação àquelas de primeira geração (com os agentes vivos atenuados ou mortos) e de segunda geração (com os agentes fragmentados). Mas não existe bola de cristal na ciência, e as previsões devem ser baseadas em evidências bem fundadas.

Assim, por mais que os investimentos sejam vultosos, que a tecnologia de produção tenha se desenvolvido e que o interesse político pressione, resultando em uma tramitação burocrática extremamente curta da liberação ética, registro da pesquisa e dos produtos finais, a Fase III envolve o cumprimento de vários quesitos: produção e distribuição de todo o material necessário para muitos centros de pesquisa em diferentes países onde a vacina será testada, recrutamento de milhares de voluntários, aplicação de uma ou duas doses em intervalos definidos, acompanhamento médico rigoroso e por um tempo longo o bastante para detectar possíveis reações que possam surgir de forma não imediata, testagem laboratorial dos efeitos da vacina sobre o sistema imunológico e, finalmente, um tempo viável para que tenhamos dados confiáveis sobre a exposição ao vírus e desenvolvimento da doença de forma suficiente para as análises estatísticas que nos trarão à luz a matemática da eficácia e da segurança. Sem isso, tudo pode dar certo. Mas não deixa de ser uma aventura. Afinal, mesmo depois de testados com muita segurança, os medicamentos e vacinas podem nos apresentar surpresas após seu uso em grandes populações. Isso a ciência tem muito bem documentado, e nossa memória ainda guarda o medo de algumas tragédias.

Ao todo, das primeiras fases até a conclusão da Fase III, um prazo de três a quatro anos não seria de se espantar. Se reduzirmos isso à metade em função de todo o esforço, apoio e pressão política que vivemos com a Covid-19, antever uma vacina com a eficácia e a segurança bem conhecidas antes do segundo semestre de 2021, como aposta a OMS, nos traz uma sensação de utopia. E precisamos acreditar que os governos já estejam preparando os esforços para a produção de milhões de seringas, agulhas, frascos, caixas térmicas, gelo artificial para manutenção das vacinas nas caixas térmicas (sim, afinal precisamos pensar nas populações mais afastadas, correto?). Não se faz isso do dia para a noite. Toda essa logística, em um verdadeiro esforço de guerra, consumirá uns seis meses ou mais, pois quando falamos milhões, são muitos milhões. Ou as populações mais afastadas dos grandes centros terão que esperar um tempo muito maior que os moradores dos grandes centros detentores dos meios de produção e do poder político. Todos nós queremos uma solução, afinal estamos cansados e com medo. Mas uma tragédia com uma vacina pouco conhecida é tudo o não queremos em um cenário já de grandes desafios para se manter os altos índices de vacinação para as demais enfermidades que o mundo, e o Brasil em grande destaque, conquistou a duras penas, com o trabalho dos sistemas públicos, diga-se, para não deixar dúvidas nesses tempos de desmonte de nossas conquistas sociais.