Izabella Guerra e Helena Sclauser (atualização: 30/11/2023)
por Laura Fonseca (texto original:13/05/2020)
Os anticoncepcionais orais, também conhecidos como contraceptivos orais, são um grupo de medicamentos amplamente utilizados por pessoas com útero com objetivo de evitar a gravidez indesejada ou inoportuna de forma segura e eficaz, sendo considerado um método cómodo quanto a sua posologia. Existem dois tipos de anticoncepcionais orais: os combinados e a minipílula, que requerem prescrição ou indicação médica1,2,3,4.
Os anticoncepcionais orais combinados são compostos por dois hormônios sintéticos, progestogênio e estrogênio, que são semelhantes aos produzidos pelo organismo humano. O mecanismo de ação desse medicamento consiste em inibir a produção do hormônio luteinizante (LH), responsável pela ovulação5. Como resultado, as pílulas combinadas impedem a ovulação e induzem o espessamento do muco cervical e alterações no endométrio, que dificultam a locomoção do espermatozóide e a implantação do embrião4. De forma complementar, eles promovem ciclos menstruais regulares, com menor tempo de duração e menor fluxo, além de diminuírem as cólicas e, algumas formulações, possuem ainda o potencial de melhorar a acne e o hirsutismo (excesso de pelos)5,6.
Tradicionalmente, a posologia do anticoncepcional combinado consiste na administração do medicamento por 21 dias, seguido de 7 dias de intervalo, realizado por meio da administração de comprimidos placebos ou por meio de um pausa na administração, com o propósito de simular o ciclo menstrual. O SUS oferece gratuitamente uma formulação que segue o ciclo de 21 dias, apresentando 7 dias de intervalo sem comprimido placebo, tendo como princípio ativo a combinação de dois fármacos: etinilestradiol (0,03 mg), um estrogênio, e levonorgestrel (0,15 mg), um progestágeno7. Atualmente, a indústria farmacêutica trabalha com alguns contraceptivos orais com períodos de placebo menores ou inexistentes, visto que foi observado que a maior parte dos efeitos colaterais, como a enxaqueca, eram relatados durante esses períodos8. Sabe-se que a supressão menstrual é segura e que o sangramento de privação proporcionado pelo intervalo sem hormônio não é clinicamente necessário8. Ademais, a ciclagem contínua possui o potencial de compensar problemas no rigor do uso do anticoncepcional, como o descumprimento do horário fixo de uso, visto que essa posologia pode potencializar o mecanismo de inibição da ovulação5.
Por outro lado, as minipílulas são compostas por apenas um hormônio sintético, o progestogênio, inibidor da secreção do hormônio folículo estimulante (FSH), que promove a maturação dos gametas femininos5. Esse medicamento é capaz de inibir a ovulação, aproximadamente, somente em metade dos indivíduos que fazem uso das pílulas. Desse modo, o seu principal mecanismo de ação consiste no espessamento do muco cervical, além de provocar a redução da atividade dos cílios e promover alterações no endométrio4. Sua posologia se diferencia dos anticoncepcionais combinados, tendo em vista que as minipílulas não possuem pílulas de placebo ou período de intervalo entre as cartelas, ou seja, seu uso é contínuo5. O SUS disponibiliza gratuitamente uma formulação de minipílula que contém o noretisterona (0,35 mg) como princípio ativo, que possui 35 comprimidos ativos na cartela7. Em relação às vantagens das minipílulas, destacam-se o retorno da fertilidade dentro de 1 ciclo e seu alto perfil de segurança3. Ademais, a ausência do hormônio estrogênio, presente nos anticoncepcionais combinados, possibilita a sua utilização por pessoas com contraindicação ao uso desse hormônio, como aquelas que apresentam risco de desenvolver problemas cardiovasculares, são tabagistas, estão amamentando ou estão no final da vida reprodutiva. Entretanto, sua efetividade como contraceptivo é menor em relação às pílulas combinadas, visto que seu uso precisa ter um maior controle, seguindo horários mais rígidos, dado que possíveis falhas são mais prejudiciais para sua ação5. Sendo assim, recomenda-se o uso concomitante de métodos de barreira como forma contraceptiva adicional, como os preservativos.
Os anticoncepcionais orais são alvo de muitas pesquisas, visto que constituem um dos métodos contraceptivos reversíveis mais eficazes e mais utilizados no mundo. Com adesão total, a eficácia da pílula combinada é de 2 gravidezes por 100 usuários por ano. Entretanto, devido aos erros cometidos pelos usuários alinhados com uma baixa adesão, a efetividade comum na população é de 4 a 7 gravidezes a cada 100 usuários ao ano3. Apesar de ser um método contraceptivo eficaz, as pílulas orais não protegem o indivíduo de contrair infecções sexualmente transmissíveis (IST), portanto, para isso, é aconselhável o uso de métodos de barreira5. À vista disso, é importante que as pessoas usuárias sejam orientadas quanto à importância da adesão e da utilização correta desses medicamentos para que o objetivo terapêutico seja atingido.
A má adesão aos anticoncepcionais orais pode ser decorrente de diversos fatores, como: a não comodidade do tratamento, que pode implicar no esquecimento da administração diária do comprimido; a falta de informação do paciente sobre esses medicamentos; o desejo de manipular a ocorrência da menstruação em dias específicos; suspensão do contraceptivo por alguns dias, tornando o ciclo irregular. São relatados também alguns efeitos adversos, o que pode contribuir para a não adesão, sendo eles: o tromboembolismo venoso, o acidente vascular cerebral (derrame), o infarto do miocárdio e o desenvolvimento de hipertensão3. Mesmo que existam os riscos de desenvolvimento de alguma dessas complicações, eles são baixos e mais comuns no primeiro ano de uso. Além disso, a ocorrência desses efeitos é mais comum em usuários com idade mais avançada, tabagistas, obesos, pessoas que possuem dieta rica em gordura e/ou abusam do álcool5. Alguns efeitos adversos observados precisam ser comunicados para um profissional de saúde, como enxaqueca com aura, sintomas neurológicos, náusea e sensibilidade mamária (que persistem após três meses de uso), e sangramento de escape5.
A falta de informações seguras e confiáveis acerca do uso do anticoncepcional também podem levar a uma baixa adesão do medicamento, como por exemplo, a ideia de que o uso constante da pílula pode diminuir as chances da pessoa com útero engravidar no futuro. De maneira geral, sabe-se que os anticoncepcionais não provocam infertilidade permanente, não comprometem a gravidez após sua interrupção e não afetam o desenvolvimento do feto quando são ingeridos acidentalmente durante uma gestação. Entretanto, é observado que os usuários de método hormonal (de altas doses de estrógeno) costumam demorar mais para conceber que os indivíduos que utilizavam apenas métodos de barreira9. Paralelamente, ideias difundidas a respeito da associação de ganho de peso e uso de contraceptivos combinados podem influenciar na baixa adesão, algo que não há uma associação clara quando se analisa anticoncepcionais de baixas doses, como já demonstrado por estudos10. Por fim, é relatado a descontinuação do uso do anticoncepcional em decorrência da diminuição do fluxo menstrual, tendo em vista a ideia de que essa redução está relacionada com algum problema de saúde. Essa associação também é incorreta, visto que um dos efeitos biológicos do anticoncepcional combinado é evitar o acúmulo extensivo do revestimento uterino, não havendo prejuízo para a saúde da pessoa5.
Por fim, existem fatores que podem levar a uma menor efetividade momentânea do efeito do anticoncepcional. Um exemplo clássico que traz muitas dúvidas é a possível interação entre anticoncepcionais e o uso de antibióticos, tendo em vista que esses podem alterar o metabolismo hepático e levar a diminuição dos níveis de estrogênio circulante em alguns pacientes. Entretanto, de forma geral, essa diminuição não é clinicamente significativa para a grande maioria dos antibióticos. A rifampicina e a rifabutina são exemplos que apresentam risco aumentado de redução da efetividade. Ainda assim, outros antibióticos podem também reduzir a ação dos anticoncepcionais, por isso, é importante ler a bula do contraceptivo oral antes de fazer uso, para se certificar sobre a segurança do medicamento, garantindo assim a efetividade. Ressalta-se que, caso seja afirmativo a possibilidade de a pílula interagir com o medicamento, recomenda-se o uso de um método contraceptivo adicional, como por exemplo o uso do preservativo. Posto isso, ressalta-se a importância de que durante uma consulta médica, o uso de um método contraceptivo hormonal deve ser relatado, para que se possa avaliar essas interações medicamentosas e para que sejam orientadas ao usuário, pelo profissional de saúde, as medidas necessárias para que a contracepção seja efetiva5.
A grande variedade de métodos contraceptivos existentes no mercado permite uma escolha adequada às necessidades e condições de saúde de cada pessoa. Uma escolha assertiva de um método contraceptivo requer que vários fatores sejam analisados, como a qualidade de vida da pessoa com útero, os fatores genéticos e o nível de conhecimento dela sobre o medicamento. Assim, deve ser realizado um balanço entre riscos e benefícios quanto ao uso do anticoncepcional oral, tendo em conta que há recomendação do Ministério da Saúde para que baixas doses sejam indicadas ao iniciar o uso do medicamento11,12,13.
Os anticoncepcionais orais são boas tecnologias em saúde que garantem maior liberdade de escolha às pessoas que menstruam, tornando possível o planejamento familiar14. Nesse sentido, é importante ressaltar que a adesão ao uso das pílulas orais é de extrema importância para que o objetivo da contracepção seja atingido, por isso, a disseminação de informações com bases científicas é fundamental para garantir o uso correto e a efetividade desses medicamentos. Profissionais da saúde, como ginecologistas e farmacêuticos, possuem um papel relevante nesse contexto e podem contribuir oferecendo orientação e suporte individualizados aos usuários de anticoncepcionais orais.
Referências:
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