Talidomida: da teratogenicidade à terapêutica atual

Lorena Moreira C. Campos

A talidomida foi incorporada no mercado farmacêutico no final da década de 1950 e passou a ser comercializada em vários países como sedativo e hipnótico1,2,3. Como se acreditava ser um medicamento seguro, foi amplamente utilizado por gestantes no tratamento de enjoo. Porém, poucos anos após o início de sua comercialização foram descritos os primeiros casos de uma malformação congênita rara caracterizada pelo encurtamento dos membros, denominada focomelia1,2,3,4, o que levou à retirada do medicamento do mercado mundial1.

Por muitos anos, a ligação negativa entre a talidomida e a tragédia dos casos de focomelia proibiu a sua utilização2. Contudo, em 1965, pesquisadores descobriram uma nova indicação para o fármaco em pacientes com hanseníase (também conhecida como lepra) que apresentavam quadro de reação hansênica do tipo II ou eritema nodoso hansênico*(ENH)1,2,5. Nos estudos foi demonstrada uma melhora acentuada e rápida do quadro geral dos pacientes com regressão considerável das lesões cutâneas. A partir de então, com a comprovação de suas atividades anti-inflamatórias e imunomoduladoras1,5,7, a talidomida voltou a ser utilizada em alguns países do continente Europeu, além de Brasil, Canadá e Estados Unidos 6,9,10,11, mediante controle restrito do uso1,2,5.

No Brasil, o uso da talidomida é regulamentado pelo Ministério da Saúde (MS), e possui uma legislação específica de controle, com o intuito de evitar a ocorrência de danos ao paciente, como a focomelia. O MS também disponibiliza informações aos prescritores e demais profissionais de saúde; orientações aos pacientes e define as responsabilidades das esferas de vigilância sanitária e assistência farmacêutica6,7. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas definem os critérios para prescrição e dispensação do medicamento7. Atualmente, o uso da talidomida é permitido para o tratamento das doenças indicadas no Quadro 1 3,6.

Quadro 1 – Indicações previstas para tratamento com a talidomida

doenças talidomida

A fabricação da talidomida é restrita a laboratórios oficiais. O laboratório público hoje responsável pela produção do medicamento é a Fundação Ezequiel Dias (Funed) em Minas Gerais7. A prescrição da substância exige critérios rígidos para sua utilização e deve ser realizada por meio da Notificação de Receita de Talidomida acompanhada do Termo de Responsabilidade/Esclarecimento6. O medicamento deve ser dispensado em local específico, com serviço de assistência farmacêutica efetivo para a orientação e monitorização do uso, dos resultados do tratamento e do descarte apropriado de comprimidos não utilizados7.

Durante o acompanhamento do paciente, o profissional de saúde também deve avaliar a ocorrência de reações adversas, que são de notificação compulsória à vigilância sanitária6,7, embora a farmacovigilância desse medicamento ainda seja incipiente no país9. Alguns eventos adversos graves apresentados por pacientes em uso de talidomida são a neuropatia periférica, a trombose e a teratogenicidade. Devido ao grande risco de teratogenicidade, a utilização da talidomida é proibida para gestantes2,3,5,6,7 e possui um controle extremamente rígido para mulheres em idade fértil6,7. Para estas pacientes, deve ser feito controle mensal para exclusão da hipótese de gravidez e uso de dois métodos contraceptivos6.

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As indicações de uso atuais da talidomida traduzem perspectivas de tratamento e cura de muitas doenças graves. Contudo, ainda permanece sua associação com danos graves (em bebês) ocorridos em um passado recente. Nesse cenário, o farmacêutico como o profissional de saúde responsável pela dispensação do medicamento, tem o papel fundamental de orientar e acompanhar o usuário, esclarecendo e conscientizando-o sobre os possíveis riscos e benefícios do tratamento com talidomida.

*Glossário

– Reação tipo II ou eritema nodoso hansênico (ENH): É um quadro clínico caracterizado pela presença de nódulos vermelhos e dolorosos, febre, dores articulares, dor e espessamento nos nervos e mal-estar. Normalmente não há alteração das lesões antigas12.

Referências:

  1. BORGES, L. V.; GUERRA, M. O.; AARESTRUP, F. M. Talidomida: De teratogênica à terapêutica. Boletim do Centro de Biologia da Reprodução, Juiz de Fora, v. 24, p. 31-44, 2005.

  2. MORO, A.; INVERNIZZI, N. A tragédia da talidomida: a luta pelos direitos das vítimas e por melhor regulação de medicamentos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.3, jul.-set. 2017, p.603-622

  3. MILLRINE, D.; KISHIMOTO, T. A Brighter Side to Thalidomide: Its Potential Use in Immunological Disorders. Trends in Molecular Medicine, April 2017, Vol. 23, No. 4. http://dx.doi.org/10.1016/j.molmed.2017.02.006

  4. DAEMMRICH, A. A tale of two experts: thalidomide and political engagement in the United States and West Germany. Soc Hist Med. 2002 Apr;15(1):137-58.

  5. OLIVEIRA, M.A.; BERMUDEZ, J.A.; SOUZA, A.C. Talidomida no Brasil: vigilância com responsabilidade compartilhada?. Cad. Saúde Pública [online]. 1999, vol.15, n.1, pp.99-112. ISSN 0102-311X.

  6. BRASIL. RESOLUÇÃO – RDC Nº 11, DE 22 DE MARÇO DE 2011.

  7. BRASIL. Talidomida orientação para o uso controlado. Brasília/DF, 2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/talidomida_orientacao_para_uso_controlado.pdf. Acesso setembro 2018.

  8. UFMG. DRUMMOND, P.L.D.M. Dissertação – Eventos adversos em pacientes com eritema nodoso hansênico em uso de talidomida. Belo Horizonte, 2017.

  9. GOVERNMENT OF CANADA. Details for: THALOMID. Disponível em: https://hpr-rps.hres.ca/details.php?drugproductid=2660&query=THALOMID. Acesso em outubro de 2018.

  10. EMA. Thalidomide Celgene renewal. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/documents/product-information/thalidomide-celgene-epar-product-information_en.pdf. Acesso em outubro 2018.

  11. FDA. Medication guide THALOMID ®. Disponível em: https://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2017/020785s065lbl.pdf#page=25. Acesso em outubro 2018.

  12. BRASIL. Ministério da Saúde. Controle da Hanseníase na Atenção Básica. Brasília Março, 2001. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/hanseniase_atencao.pdf. Acesso em outubro 2018.

Anvisa alerta sobre o extravio da talidomida

Fonte: google imagens

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No último dia 13 de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que 5.760 comprimidos do medicamento talidomida foram extraviados durante o transporte de Belo Horizonte a São Paulo. Os comprimidos, na dosagem de 100 mg, foram produzidos pela Fundação Ezequiel Dias, possuem registro de lote nº 13090212 e data de validade até setembro de 2015.

Usada no tratamento de hanseníase, doenças crônico-degenerativas (como alguns tipos de lúpus), mieloma múltiplo e úlceras aftoides idiopáticas em pacientes HIV positivo, a talidomida é distribuída gratuita e exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Devido ao seu potencial de causar malformações no embrião ou feto durante a gestação (potencial teratogênico) não deve ser utilizada por gestantes. Aos homens que utilizam esse medicamento, é indicado o uso de preservativos em todas as relações sexuais, pois há possiblidade do esperma conter o fármaco.

A Anvisa solicita que qualquer informação sobre esse medicamento seja feita imediatamente. O contato pode acontecer pelo e-mail: med.controlados@anvisa.gov.br ou pelo telefone 61-3462-5832.

Mais informações:

Medicamentos à base de Talidomida foram extraviados

http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/cUFa

Talidomida – apoio, informação e orientação
http://talidomida-anvisa.blogspot.com.br

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