A suplementação de ômega-3 para prevenção de eventos cardiovasculares

Por Nathália Quetz

Ômega é o nome dado a uma família de ácidos graxos poli-insaturados que são moléculas orgânicas e são um dos possíveis componentes principais dos lipídios (gorduras)1. Os ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 são lipídios importantes para algumas funções do organismo humano, como a composição e funcionamento de células cerebrais e da retina2. São três os principais ácidos graxos da família ômega-3: o alfa-linolênico (ALA), o eicosapentaenoico (EPA) e o docosahexaenoico (DHA). Alguns alimentos de origem vegetal, como soja, linhaça e castanhas, são ricos em ômega-3 ALA. Já os ômega-3 EPA e DHA são de origem marinha e são encontrados em salmão, atum e peixes no geral1.

Os benefícios da suplementação de ômega-3 são estudados desde que alguns pesquisadores sugeriram que a baixa mortalidade por doença isquêmica cardíaca e a baixa incidência de doenças cardiovasculares em esquimós da Groenlândia têm relação com a alimentação rica em salmão desta população1. A partir dessa observação se iniciou a busca pela elucidação do mecanismo de ação do possível efeito cardioprotetor dos ômegas-3 marinhos e dos ômegas-3 de origem vegetal. Alguns estudos realizados mostraram uma redução modesta da pressão arterial, redução dos triglicerídeos, da agregação plaquetária, dos efeitos anti-inflamatórios, prevenção de arritmias, entre outros efeitos. Esses achados foram responsáveis pelo interesse no efeito de proteção cardiovascular dos ômega-33. É de conhecimento popular que a suplementação de ômega-3 pode beneficiar a saúde cardiovascular, reduzindo o risco de doenças cardíacas, infarto e morte. Contudo, esta prática não foi confirmada por estudos disponíveis 3.

Uma revisão sistemática publicada em 2020 foi realizada com o objetivo de avaliar se a suplementação ou o consumo aumentado de alimentos de origem vegetal e peixes ricos em ômega-3 apresentaria algum efeito no risco de mortalidade, eventos cardiovasculares, adiposidade e perfil lipídico. Além disso, também foi avaliado se a possível proteção proporcionada ocorreria igualmente em pessoas com baixo e alto risco para doenças cardiovasculares, se a proteção dependia da dose administrada, se o efeito diferia entre a administração de ômega-3 pela dieta ou pela suplementação, entre outras considerações1.

Foram incluídos 86 ensaios clínicos randomizados controlados com no mínimo 12 meses de intervenção que compararam a administração de ômega-3 pela dieta ou pela suplementação versus placebo, nenhum suplemento, dieta usual ou menor dose de ômega-3. Os 162.796 participantes eram adultos, com ou sem risco de doenças cardiovasculares e, em sua maioria, eram residentes de países de alta renda. Os estudos avaliaram a suplementação para prevenção primária e secundária, sendo que 50 deles avaliaram a prevenção primária (participantes que não foram acometidos por eventos cardiovasculares até o início do estudo), 35 ensaios, a prevenção secundária (participantes que já apresentaram algum evento cardiovascular antes do início do estudo) e um estudo que avaliou prevenção primária e secundária. As doses de ômega-3 variaram entre 0,5g até mais de 5g por dia1.

Os resultados mostraram que a suplementação de EPA e DHA têm pouco ou nenhum efeito sobre mortes e eventos cardiovasculares e faz pouca ou nenhuma diferença em infartos ou alterações cardíacas. EPA e DHA podem reduzir ligeiramente o risco de morte e eventos coronarianos. Segundo os autores, os EPA e DHA são capazes de reduzir os triglicérides séricos em aproximadamente 15%, mas essa redução não afeta o perfil de outros lipídios. Suplementar ALA parece promover pouca ou nenhuma diferença em todas as causas de mortalidade, mortes cardiovasculares, mortes coronárias ou eventos coronarianos. Mas, possivelmente, há pouca redução na ocorrência de eventos cardiovasculares e irregularidades cardíacas. As evidências sobre os efeitos protetivos dos ácidos graxos ômega-3 consumidos por meio da alimentação são escassas1.

Os autores concluíram que as evidências avaliadas sugerem que a administração de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 de origem marinha (EPA e DHA) pode reduzir os níveis de triglicérides séricos1, desde que associado a hábitos de vida saudáveis. Este benefício do uso do EPA e DHA  já foi aceito e incorporado  na prática clínica de alguns países, como no Brasil, onde se recomenda uma  suplementação mínima diária de 1.500mg de EPA e DHA4

Em conclusão, EPA, DHA e ALA podem ser ligeiramente protetivos para algumas doenças cardiovasculares1; entretanto, a relação custo-benefício deve ser levada em consideração pelo profissional de saúde antes da prescrição dos suplementos de ômega-3. Lembre-se de nunca iniciar uma suplementação por conta própria. Consulte um médico ou farmacêutico antes de iniciar o uso de qualquer medicamento ou suplemento.

Referências:

1. Abdelhamid  AS, Brown  TJ, Brainard  JS, Biswas  P, Thorpe  GC, Moore  HJ, Deane  KHO, Summerbell  CD, Worthington  HV, Song  F, Hooper  L. Omega‐3 fatty acids for the primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database of Systematic Reviews 2020, Issue 3. Art. No.: CD003177. DOI: 10.1002/14651858.CD003177.pub5. Citado em 05 Junho 2021. 

2. González FE, Báez RV. In time: importância dos ômega-3 na nutrição infantil.  Rev. paul. pediatr. Jan- Mar 2017; 35 (1). DOI:  https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2017;35;1;00018. Citado em 05 Junho 2021. 

3. Rizos EC, Ntzani EE, Bika E, Kostapanos MS, Elisaf MS. Association Between Omega-3 Fatty Acid Supplementation and Risk of Major Cardiovascular Disease Events: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA. 2012;308(10):1024–1033. doi:10.1001/2012.jama.11374. Citado em 05 Junho 2021. 

4. Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução normativa – IN N° 28, de 26 de julho de 2018. [Internet]. Diário Oficial da União; 2018. Edição 144; Seção 1; Página 141. Citado em 05 Junho 2021. Disponível em:https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/34380639/do1-2018-07-27-instrucao-normativa-in-n-28-de-26-de-julho-de-2018-34380550 

Uso do ácido acetilsalicílico para prevenção de eventos cardiovasculares em idosos

por Paloma Cristina Torres

As doenças cardiovasculares representam uma das principais causas de morte no Brasil, sendo a causa de cerca de 30% dos óbitos registrados no país1. Assim, os indivíduos que possuem essas doenças geralmente utilizam medicamentos para prevenção primária ou secundária de eventos tromboembólicos. A prevenção primária visa diminuir a incidência desses eventos em indivíduos susceptíveis que não foram previamente acometidos. Já a prevenção secundária tem o objetivo de evitar a recorrência desses eventos2,3.

Fonte: Google Imagens

O ácido acetilsalicílico (AAS) é um fármaco que inibe a agregação plaquetária (parte do processo de coagulação sanguínea), sendo uma terapia eficaz na prevenção secundária de eventos cardiovasculares, tais como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico2,4,5. No entanto, os benefícios do uso do medicamento na prevenção primária desses eventos em idosos ainda são controversos, visto que há maior risco de ocorrerem danos decorrentes do tratamento nessa faixa etária6,7.

Recentemente, foi publicado um estudo em que foi avaliada a eficácia e os riscos do uso do AAS para prevenção primária de eventos cardiovasculares em idosos saudáveis (sem diagnóstico de doença coronariana, doença cerebrovascular, fibrilação atrial, demência ou deficiência física). Foi incluído no estudo um total de 19.114 indivíduos, que foram aleatoriamente alocados em dois grupos. O primeiro composto por 9.525 pessoas que fizeram uso diário de 100 mg de AAS, e o segundo por 9.589 pessoas que utilizaram placebo (comprimido sem substância ativa).  A população estudada era idosa (média de idade de 74 anos) e tinha maior proporção do sexo feminino (56%). Os dois grupos apresentavam perfis semelhantes quanto aos riscos de eventos cardiovasculares e foram acompanhados por um período médio de 4,7 anos6,7.

Nos resultados, o estudo demonstrou que o uso de pequenas doses de AAS por idosos não reduziu de forma significativa os riscos de eventos cardiovasculares em relação ao placebo. As taxas de infarto do miocárdio, AVC isquêmico, doenças cardiovasculares fatais e hospitalização por insuficiência cardíaca foram semelhantes nos dois grupos. Além disso, observou-se que o risco de hemorragia grave foi significativamente maior em idosos com o uso do AAS do que com o placebo, e esse aumento do risco foi constante durante o estudo, indicando que o grupo que recebeu o medicamento tem uma elevação no risco de sangramento que não diminui com o uso continuado6,7.

A interpretação dos resultados e aplicação na prática clínica deve levar em consideração algumas características do estudo e de seus participantes. Um dos fatores a ser considerado é a baixa porcentagem de idosos que faziam uso regular do AAS antes de serem selecionados (11%). Assim, não foi abordado diretamente se idosos saudáveis que já fazem uso do AAS para prevenção primária devem continuar ou cessar o seu uso6,7. Outros fatores são o baixo risco de doença cardiovascular da população que foi avaliada e o fato de apenas dois terços dela ter utilizado o medicamento/placebo até o final do estudo. ode ter contribuído para a subestimação da eficácia do AAS.

Os autores do estudo concluíram que o uso do ácido acetilsalicílico em baixas doses por idosos saudáveis parece não diminuir a incidência de eventos cardiovasculares e pode levar ao aumento significativo do risco de hemorragia grave quando comparado ao placebo.2,4,5,6,7. Portanto, é necessário que esses resultados científicos sejam considerados por profissionais de saúde ao definir ou revisar a farmacoterapia de idosos, uma vez que a relação risco-benefício do tratamento com AAS para a prevenção primária de eventos cardiovasculares parece não ser favorável.

 

Referências:

  1. Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC. Cardiômetro – mortes por doenças cardiovasculares no Brasil. Acesso em 2019 abril 22. Disponível em: http://www.cardiometro.com.br/
  2. Danni Fuchs F, Wannmacher L. Farmacologia clínica fundamentos da terapêutica racional. 4ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. p. 891-907.
  3. Descritores em Ciências da Saúde: DeCS [Internet]. 2018. São Paulo (SP): BIREME / OPAS / OMS. 2019 [citado 2019 Maio 07]. Disponível em: http://decs.bvsalud.org
  4. Rename, Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica. Formulário terapêutico nacional. 2ª edição. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. p. 243-269.
  5. Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC. Diretrizes brasileiras de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes em cardiologia. Volume 101, nº 3, suplemento 3. Rio de Janeiro: SBC; 2013. Acesso 2019 abril 22. Disponível em: com.br/uxOVW
  6. McNeil JJ, Wolfe R, Woods RL, Tonkin AM, Donnan GA, Nelson MR, et al. Effect of Aspirin on Cardiovascular Events and Bleeding in the Healthy Elderly. The New England journal of medicine. 2018;379(16):1509-18.
  7. McNeil JJ, Woods RL, Nelson MR, Reid CM, Kirpach B, Wolfe R, et al. Effect of Aspirin on Disability-free Survival in the Healthy Elderly. The New England journal of medicine. 2018;379(16):1499-508.