Parte IV – Série Exames preventivos para a detecção precoce do câncer de mama: a prática versus a evidência

ÍndiceMamografia: Benefício ou Risco?

 por Daniela RG Junqueira

Parte IV – Conclusão

O rastreamento do câncer de mama com mamografia traz benefícios e riscos e não há evidências de qualidade que comprovem a redução da mortalidade por câncer de mama e da mortalidade geral. Essa revisão sobre as evidências dos benefícios e riscos da realização da mamografia motivou a atualização das diretrizes clínicas em território canadense. A recomendação para a realização do rastreamento com mamografia a cada dois anos em mulheres entre 50 e 74 anos foi mantida. No entanto, foi adicionado de forma objetiva o fato de que as evidências que suportam essa recomendação são fracas, com qualidade moderada a baixa9. A revisão dessas diretrizes é um passo importante numa direção de equilíbrio entre a prática preconizada e a atualização das evidências científicas, afastando-se da atitude predominante de que uma mulher que não realiza o rastreamentoé irresponsável10.

A Agenda Estratégica para o Controle do Câncer de Mama no Brasil11, lançada em março de 2011, parece considerar evidências científicas pontuais e adotar outra interpretação das revisões sistemáticas realizadas no âmbito da Colaboração Cochrane3,5. O plano do governo brasileiro, que objetiva fortalecer a rede de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer de colo do útero e de mama, exacerba os benefícios da mamografia e centraliza nesse método as ações do programa de prevenção do câncer de mama no país. Apesar disso, a Agenda Estratégica para o Controle do Câncer de Mama no Brasil11 reafirma a importância da palpação das mamas pela mulher sempre que ela se sentir confortável, valorizando a importância do autoconhecimento corporal e da atenção da mulher ás alterações em sua mama. O exame clínico das mamas, realizado por profissional de saúde qualificado, é também ação de importância enfatizada. As recomendações preconizam a realização da mamografia em mulheres entre 50 e 69 de idade a cada dois anos, além do exame clínico das mamas anual. Para mulheres com idade entre 40 e 49 anos é recomendado o exame clínico das mamas anual e a realização de mamografia em caso de alteração detectada ao exame. Grupos de risco para o câncer de mama recebem a recomendação de realizar exame clínico das mamas e mamografia anuais a partir dos 35 anos.

No Brasil, portanto, prevalecem as perspectivas exclusivamente benéficas da realização da mamografia como exame preventivo. Não desconsiderando a importância desse exame diagnóstico, e a necessidade de oferecer acesso a ele pelo Sistema Único de Saúde nas situações em que sua realização oferece mais benefícios do que riscos, a evolução dos conhecimentos a respeito de sua utilização na prevenção do câncer de mama não pode ser ignorada. A pergunta se repete: se as práticas em sáude atualmente realizada foram desenvolvidas sob a luz do conhecimento científico, por que novas evoluções desse conhecimento são rejeitadas em prol das práticas arraigadas? Em qual alternativa o risco é maior?

Mais informações:

Informativo produzido pelo Centro Nórdico da Cochrane (The Nordic Cochrane Centre) e traduzido para o Português (Portugal) está disponível em http://www.cochrane.dk/ (Rastreio do cancro da mama através de mamografia).

Em breve estará disponível uma versão em Português (Brasil).

 
Referências:
1. Brasil. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Programa nacional de controle do câncer de mama [Internet]. Disponível: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa_controle_cancer_mama/deteccao_precoce. Acessadoem: 26 Novembro 2012.
2. Vainio H, Bianchini F, eds. IARC Handbooks of Cancer Prevention. Volume 7. Breast Cancer Screening. Lyon: IARC Press, 2002. [: ISBN 92–832–3007–8]
3. Gøtzsche PC, Nielsen M. Screening for breast cancer with mammography. Cochrane Database of Systematic Reviews; 2011 (1). Art. No.: CD001877.pub4.
4. Independent UK Panel on Breast Cancer Screening. The benefits and harms of breast cancer screening: an independent review. Lancet 2012; 380: 1778–86
5. Gøtzsche PC. Mammography screening leaflet [Internet]. The Nordic Cochrane Centre; 2012. Disponível: http://www.cochrane.dk/. Acessadoem: 26 Novembro 2012.
6. Higgins J, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions 5.1.0. The Cochrane Collaboration; 2011.
7. The Cochrane Collaboration. The Nordic Cochrane Centre’s comments on “Independent UK Panel on Breast Cancer Screening. The benefits and harms of breast cancer screening: an independent review. Lancet 2012 Oct 30.” [Internet]. Disponível: http://www.cochrane.dk/screening/comments-on-UK-panel.htm. Acesso em: 17 Dezembro 2012.
8. Zahl PH, Gøtzsche PC, Mæhlen J. Natural history of breast cancers detected in the Swedish mammography screening program; a cohort study. Lancet Oncol 2012; 12 (12):1118-1124
9. Canadian Task Force on Preventive Health Care. Screening for Breast Cancer [Internet]. Disponível: http://canadiantaskforce.ca/guidelines/2011-breast-cancer/. Acessado em: 17 Dezembro 2012.
10. Gøtzsche PC. Time to stop mammography screening? CMAJ, 2011; 183 (17): 1957-8
11. Brasil. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Agenda Estratégica para o Controle do Câncer de Mama no Brasil – Eixos e ações prioritários para o controle do câncer de mama no Brasil [Internet]. Disponível: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa_controle_cancer_mama/agenda-estrategica. Acessado em: 15 Março 2013.

 

Parte III – Série Exames preventivos para a detecção precoce do câncer de mama: a prática versus a evidência

Mamografia: Benefício ou Risco?

por Daniela RG JunqueiraÍndice

Parte III – A Prática versus a Evidência

A revisão das evidências sobre os programas de rastreamento do câncer de mama por mamografia demonstra ausência dos benefícios esperados pela adoção desse procedimento nas populações. Ainda, significativos danos às mulheres submetidas ao rastreamento são destacados e inspiram preocupação. Assim, diante das atuais evidências, as recomendações com relação ao rastreamento por mamografia do câncer de mama representa campo desafiador para a aplicação do modelo de prática de saúde baseada em evidência, paradigma facilmente repetido como jargão, mas dificilmente praticado: integração do conhecimento obtido por meio de evidências científicas de qualidade com a experiência clínica em sintonia com o contexto e os anseios do paciente. O panorama se constitui inclusive de diferentes formas de análise dos danos disponíveis: análises delineadas segundo métodos padrões e reprodutíveis em paralelo com análises realizadas segundo a decisão dos “especialistas”. Interessantemente, os resultados não divergem inteiramente, mas contrapõem a realidade da atuação clínica: a prática de sáude do modelo biomédico desenvolvida sob a luz do desenvolvimento científico rejeita novas evoluções do conhecimento em prol de práticas arraigadas, da segurança da repetição do costumeiro. Em qual alternativa o risco é maior?

Respeitando-se que a experiência clínica nos contextos de interesse é essencial, é reconhecido, no entanto, que a opinião do especialista deve integrar as decisões em saúde em conjunto com a evidência científica, não em sobreposição a essa. O desafio é aliar esses três domínios, a informação, clara e objetiva, ponderada com o conhecimento e a empatia com o paciente. Sabendo-se que a palavra câncer nos impacta e nos remete à sensação de tragédia, medo e fatalidade, são inevitáveis as imagens de um tratamento debilitante e de perda da qualidade de vida, senão da própria vida. Assim, é legítima e altamente justificável a busca pelo diagnóstico e tratamento efetivo. No entanto, não causar dano é uma máxima da intervenção em saúde que deve prevalecer nas decisões clínicas, sobretudo no caso de intervenções invasivas. Senão inevitável, o risco ao qual o paciente está exposto deve ser adequadamente a ele explicitado. No caso do rastreamento do câncer de mama com mamografia, a decisão, livre e esclarecida, sobre realizar ou não o rastreamento, deve ser claramente ofertada à mulher. Diante de um resultado positivo de uma mamografia de rastreio, abordagens alternativas como a observação cuidadosa da evolução do quadro como opção às intervenções invasivas devem também se apresentar como opção à mulher e ao profissional de saúde.

Referências da Série Exames preventivos para a detecção precoce do câncer de mama: a prática versus a evidência
1. Brasil. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Programa nacional de controle do câncer de mama [Internet]. Disponível: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa_controle_cancer_mama/deteccao_precoce. Acessadoem: 26 Novembro 2012.
2. Vainio H, Bianchini F, eds. IARC Handbooks of Cancer Prevention. Volume 7. Breast Cancer Screening. Lyon: IARC Press, 2002. [: ISBN 92–832–3007–8]
3. Gøtzsche PC, Nielsen M. Screening for breast cancer with mammography. Cochrane Database of Systematic Reviews; 2011 (1). Art. No.: CD001877.pub4.
4. Independent UK Panel on Breast Cancer Screening. The benefits and harms of breast cancer screening: an independent review. Lancet 2012; 380: 1778–86
5. Gøtzsche PC. Mammography screening leaflet [Internet]. The Nordic Cochrane Centre; 2012. Disponível: http://www.cochrane.dk/. Acessadoem: 26 Novembro 2012.
6. Higgins J, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions 5.1.0. The Cochrane Collaboration; 2011.
7. The Cochrane Collaboration. The Nordic Cochrane Centre’s comments on “Independent UK Panel on Breast Cancer Screening. The benefits and harms of breast cancer screening: an independent review. Lancet 2012 Oct 30.” [Internet]. Disponível: http://www.cochrane.dk/screening/comments-on-UK-panel.htm. Acesso em: 17 Dezembro 2012.
8. Zahl PH, Gøtzsche PC, Mæhlen J. Natural history of breast cancers detected in the Swedish mammography screening program; a cohort study. Lancet Oncol 2012; 12 (12):1118-1124
9. Canadian Task Force on Preventive Health Care. Screening for Breast Cancer [Internet]. Disponível: http://canadiantaskforce.ca/guidelines/2011-breast-cancer/. Acessado em: 17 Dezembro 2012.
10. Gøtzsche PC. Time to stop mammography screening? CMAJ, 2011; 183 (17): 1957-8
11. Brasil. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Agenda Estratégica para o Controle do Câncer de Mama no Brasil – Eixos e ações prioritários para o controle do câncer de mama no Brasil [Internet]. Disponível: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa_controle_cancer_mama/agenda-estrategica. Acessado em: 15 Março 2013