Ondansetrona: usos e possíveis riscos na gravidez

 por Emilly Carvalho

O cloridrato de ondansetrona é um medicamento utilizado para tratar ou prevenir náuseas e vômitos em adultos e crianças que passaram por tratamentos como quimioterapia, radioterapia ou algum procedimento cirúrgico. Sua administração pode ser feita por via oral, endovenosa ou intramuscular1.

Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou um alerta sobre o risco de malformação congênita* associado ao uso de ondansetrona por mulheres grávidas. Estima-se que cerca de 50%-80% das mulheres grávidas apresentam náuseas e vômitos, principalmente no primeiro trimestre da gestação, sendo a ondansetrona amplamente utilizada para tratar esse quadro2. Porém, o medicamento não é indicado  para o tratamento desses casos de náuseas, sendo que seu uso pode ser realizado com indicação médica, de forma off label**. Além disso, a ondansetrona é classificada na categoria B de risco na gravidez (Leia mais sobre em Medicamentos na gravidez: cautela é o melhor remédio)3.IMAGEM 1

Um estudo com o objetivo de investigar a associação do medicamento com malformações foi realizado por pesquisadores dos Estados Unidos. Nesse estudo, foram analisadas informações sobre diagnósticos e prescrições médicas de mais de 1,8 milhão de gestantes, em um período de 14 anos (de 2000 a 2013), para verificar se os filhos de mulheres que utilizaram ondansetrona durante o primeiro trimestre de gravidez apresentaram maior risco de malformações em comparação aos filhos de mulheres que não utilizaram o medicamento4.

Dentre os resultados, foi observado que não houve diferença significativa na ocorrência de malformações cardíacas (como defeitos no septo ventricular e no septo atrial) no grupo que fez uso do medicamento e no grupo que não fez uso. Entretanto, foi constatado que o risco de ocorrência de fenda palatina*** em bebês aumentou em 24% nos casos em que as mães haviam feito uso da ondansetrona4.

Outros estudos estão em andamento para avaliar as possíveis relações do medicamento com malformações. Estes estudos trarão melhor embasamento para tomada de decisão sobre o uso do medicamento e também para que a Anvisa decida ou não pela alteração na categorização de risco do uso da ondansetrona na gravidez3.

Segundo a Anvisa, é possível que futuramente a ondansetrona seja contraindicada para mulheres grávidas, considerando os estudos já realizados. Enquanto isso, é importante que o profissional da saúde evite prescrever esse medicamento para mulheres grávidas, visto que existem outras opções de medicamentos para este fim disponíveis no mercado. Além disso, as gestantes que já fazem o uso desse medicamento devem ser alertadas sobre os riscos do tratamento. Também é necessário orientar as mulheres em idade fértil que fazem uso da ondansetrona para que elas utilizem métodos contraceptivos3. Ademais, deve-se sempre pedir orientação profissional em caso de dúvidas e avaliar os possíveis efeitos adversos e riscos com o uso da terapia.

Referências:

  1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária(ANVISA). [Internet]. [Acesso em 2019 out 15]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=6295462015&pIdAnexo=2743983
  2. Obstretics&Gynecology. [Internet]. [Acesso em 2019 out 15]. Disponível em: https://journals.lww.com/greenjournal/Fulltext/2018/01000/ACOG_Practice_Bulletin_No__189__Nausea_And.39.aspx
  3. Agência Nacional de Vigilância Sanitária(ANVISA). [Internet]. [Acesso em 2019 out 15]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/informacoes-tecnicas13/-/asset_publisher/WvKKx2fhdjM2/content/a-gerencia-de-farmacovigilancia-alerta-para-o-risco-de-ocorrencia-de-malformacoes-congenitas-com-o-uso-do-medicamento-ondansetrona-/33868?p_p_auth=sKp9YKms&inheritRedirect=false
  4. Krista F. Huybrechts, Sonia Hernández-Díaz, LoreenStraub, Kathryn J. Gray, Yanmin Zhu, ElisabettaPatorno, Rishi J. Desai, Helen Mogun, Brian T. Bateman. Association of Maternal First-Trimester Ondansetron Use With Cardiac Malformations and Oral Clefts in Offspring. JAMA. 2018.

Glossário:

*Malformação congênita: malformações de órgãos ou partes do corpo durante o desenvolvimento no útero.

**Uso off-label se refere ao uso de um medicamento cuja indicação para o tratamento diverge do que consta na bula.

***Fenda palatina: Abertura congênita do palato (parte superior da boca, popularmente chamado de “céu da boca”).

 

 

Uso de blog e redes sociais para popularização da informação científica: um remédio contra fake news

Editorial

por Joyce Melgaço e Cristiane Menezes

Dois mil e dezoito foi um ano de grandes conquistas para o Cemed. A mais expressiva delas foi o alcance de um milhão de acessos ao nosso blog! Compartilhamos essa marca com muito orgulho, pois ela representa o reconhecimento do nosso trabalho, feito por uma equipe formada majoritariamente por alunos voluntários do curso de farmácia. Esses alunos, autores dos textos, contribuíram para a promoção do uso correto e seguro dos medicamentos e tiveram a oportunidade de vivenciar uma experiência de aprendizagem que se diferencia dos moldes de formação tradicional, pois valoriza a horizontalidade e o protagonismo do estudante.

Outra conquista importante de 2018 foi a reestruturação do serviço de informação reativa, em que atendemos a dúvidas sobre o uso de medicamentos por meio do sistema “Pergunte ao Cemed”. Esse sistema foi inaugurado no mês de maio, durante um evento organizado pelo Cemed na Faculdade de Farmácia, em que foi apresentada a palestra “Fake news na saúde: questões para entender o contemporâneo”. O tema da palestra faz menção a um dos objetivos do nosso trabalho: o combate às fake news e à desinformação sobre a utilização de medicamentos e cuidados com a saúde. Ele também foi objeto de uma ação educativa realizada com a participação de estudantes de farmácia.

Panfleto

Material informativo utilizado em ação educativa promovida pelo Cemed em maio/2018.

Fake news é uma expressão em inglês que significa notícias falsas. Elas foram um problema recorrente ao longo desse ano, tanto na saúde quanto na política, áreas que nos são caras, uma vez que estamos envolvidos na formação de profissionais de saúde e somos vinculados a uma universidade pública. Essas duas áreas se convergem quando pensamos em fake news, pois medidas de saúde coletiva reconhecidamente exitosas, como a vacinação, muitas vezes têm sido colocadas em cheque. Tal fenômeno parece estar associado à falta de confiança nas instituições públicas que vem se instalando diante da crise política que se arrasta em nosso país1. Um exemplo desse descrédito dado às informações divulgadas por veículos oficiais foram as inquietações geradas pelo aumento do número de casos de febre amarela, que esteve em evidência na mídia durante o primeiro semestre de 20182. As ações para controle do surto foram perturbadas por inúmeras notícias falsas disseminadas pela internet, como as que diziam que o surto era uma farsa criada para vender vacinas ou que afirmavam que a vacina contra febre amarela continha mercúrio1,3.

A disseminação de boatos e os desafios para combatê-los não se restringem ao caso da febre amarela. Apesar de o programa de imunização do Sistema Único de Saúde ser mundialmente reconhecido por sua efetividade4, algumas taxas de cobertura vacinal caíram nos últimos anos, gerando receio de retorno doenças já superadas, como a poliomielite (paralisia infantil), que teve o último caso registrado no Brasil em 1989, e o sarampo5,6. O vírus do sarampo era considerado eliminado das Américas desde 2016, contudo, alguns surtos ocorreram na região nos últimos meses devido à circulação internacional de pessoas e à redução da cobertura vacinal5,7. Em 1998, a divulgação de um estudo fraudulento que associava a vacina contra sarampo (vacina tríplice viral, que também evita caxumba e rubéola) à ocorrência de autismo, foi um dos fatores que impulsionou o crescimento de movimentos antivacina no ocidente. Apesar de a associação já ter sido refutada por estudos mais recentes, ela ainda sustenta ceticismos sobre as vantagens da imunização no mundo5,8.

Embora não tenhamos acesso a estudos que quantifiquem o impacto das fake news sobre a saúde pública no Brasil, é sabido que a desinformação pode resultar em consequências graves, como o aumento das taxas de mortalidade e morbidade por doenças evitáveis por vacina8 ou pelo uso incorreto de medicamentos. Em 2015, na Austrália, a disseminação da informação de que as estatinas (medicamentos para tratamento de dislipidemias) poderiam causar danos superiores aos seus benefícios em prevenir eventos cardiovasculares, levou a um aumento da interrupção do tratamento por seus usuários em cerca de 30 %. Estimou-se que esse montante poderia ser responsável pela ocorrência de 1.522 ataques cardíacos e 2.900 casos de acidente vascular cerebral ao longo de cinco anos. O incentivo à aquisição de produtos sem comprovação científica é, também, frequentemente veiculado e geralmente os interesses comerciais são camuflados em comunicações propagandísticas ou mesmo pseudocientíficas. Essa prática tem sido observada em programas de TV e em vídeos disseminados pela internet, em que profissionais de saúde não declaram conflitos de interesse ao se apresentarem ao público9.

O compromisso da ciência e dos profissionais é recomendar o uso (ou não) de tecnologias de saúde, com base em evidências científicas8. Infelizmente, observamos uma utilização inapropriada dos meios de comunicação, com destaque para as redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem, para esse fim. Essa realidade demanda profissionais de saúde qualificados para interpretar criticamente o grande volume de informação disponível e a apropriação de meios de grande alcance social para promover o acesso universal à informação de qualidade. Ocupar esses espaços na internet, que podem parecer de ‘menor prestígio’ para algumas autoridades sanitárias e representantes da academia e da ciência, é muito importante para que haja proximidade com a população. Afinal, ela é o alvo que se deve atingir em benefício da saúde pública8.

Nesse sentido, o Cemed pretende persistir no seu compromisso de trabalho no próximo ano, visando proporcionar informação de qualidade à população e promover o uso adequado do medicamento. Estaremos em período de férias e as publicações do Blog estarão suspensas até o início do primeiro semestre letivo de 2019, mas manteremos as atividades em nossas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter). Agradecemos a todos os seguidores pela interatividade, e aos colaboradores, especialmente os estudantes que já estagiaram conosco por terem dado sua contribuição para que o Blog do Cemed alcançasse a marca de 1 milhão de acessos! Desejamos a todos um feliz natal, próspero ano novo e boas festas!!!

Referências:

  1. Portela G. Febre amarela: entre fake news e pós-verdades [Internet]. Rio de Janeiro; 2018 [acesso em 17 dez 2018]. Disponível em: https://www.icict.fiocruz.br/content/febre-amarela-entre-fake-news-e-p%C3%B3s-verdades

  1. Ministério da Saúde. Febre amarela. Situação Epidemiológica no Brasil [Internet]. Brasília; 2018. [acesso em 17 dez 2018]. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/febre-amarela-sintomas-transmissao-e-prevencao/situacao-epidemiologica-dados

  1. Ministério da Saúde. Blog da Saúde. Mitos e verdades sobre a febre amarela [Internet]. Brasília; 2018. [acesso em 17 dez 2018]. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=53267&catid=570&Itemid=50219.

  1. World Health Organization. From warehouse to remote indigenous communities: the journey of vaccines in Brazil [Internet]. Geneva; 2017 [acesso em 17 dez 2018]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/feature-stories/detail/from-warehouse-to-remote-indigenous-communities-the-journey-of-vaccines-in-brazil

  1. Zorzetto R. As razões da queda na vacinação. Pesquisa Fapesp [Internet] 2018 ago. [acesso em 17 dez 2018]. 270: 19-24. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2018/08/018-024_CAPA-Vacina_270.pdf

  1. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS-Brasil). Folha informativa – Poliomelite [Internet]. Brasília; 2018 [acesso em 17 dez 2018]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5735:folha-informativa-poliomielite&Itemid=820

  1. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS-Brasil). Folha informativa – Sarampo [Internet]. Brasília; 2018 [acesso em 17 dez 2018]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5633:folha-informativa-sarampo&Itemid=1060

  1. Jervelund SS. How social media is transforming the spreading of knowledge: Implications for our perceptions concerning vaccinations and migrant health. Scand J Public Health 2018; 46: 167-9.

  1. Thomas J, Peterson GM, Walker E, et al. Fake News: Medicines Misinformation by the Media. Clin Pharmacol Ther 2018; 104: 1059-61.