O Dramin® (dimenidrinato) pode ser usado para tratamento de insônia crônica?

por Daniela Fernandes Silva

Recebemos em nossas redes sociais o seguinte questionamento:

“Por que não se deve utilizar Dramin® para insônia crônica? Tenho visto muitas pessoas fazerem uso do medicamento para essa finalidade.”

Assim, com o objetivo de responder ao questionamento e por julgarmos ser uma questão recorrente na população, decidimos nos aprofundar sobre o assunto.

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O dimenidrinato (substância ativa do Dramin®) é um medicamento indicado para prevenção e alívio de náuseas e vômitos causados no pré e pós-operatórios do trato gastrintestinal ou por movimentos não habituais, como viagens de navio, avião ou ônibus1,2. Dentre as reações adversas causadas pelo dimenidrinato, a mais frequente é a sedação, podendo ocorrer também ressecamento da boca e vias respiratórias, retenção e aumento da frequência urinária e dor ou ardor ao urinar3. Ele está disponível no mercado nas formas farmacêuticas comprimido, solução oral e injetável4.

O dimenidrinato é contraindicado para pacientes que possuem deficiência enzimática do grupo heme no fígado ou medula óssea (indivíduos porfíricos)5  e para crianças menores de dois anos de idade. Para crianças acima de dois anos de idade o dimenidrinato pode ser usado na forma de solução oral. Já a apresentação comprimido deve ser utilizada apenas a partir dos 12 anos2.

Deve-se evitar o uso do dimenidrinato em associação com bebidas alcoólicas, sedativos ou tranquilizantes, pois podem potencializar os efeitos depressores dessas substâncias sobre o sistema nervoso central, como a sedação2,6. Há evidências de que o dimenidrinato pode causar tolerância, levando os pacientes a tomarem doses cada vez maiores para obter o efeito desejado após alguns dias de tratamento4.

Não há ensaios clínicos que evidenciem o uso do dimenidrinato para tratamento de insônia crônica, portanto, não se sabe a eficácia do medicamento para essa condição. Além disso, o tempo de tratamento para sua indicação (alívio de náuseas e vômitos) costuma ser curto, por isso os efeitos adversos quando utilizados em longo prazo são desconhecidos.

Portanto, não há recomendação do uso do dimenidrinato para o tratamento da insônia. A sonolência provocada por esse medicamento é um efeito colateral e não uma indicação de uso, e não há evidências que suportem essa indicação. Para o tratamento da insônia existem terapias não farmacológicas e medicamentosas consolidadas que devem ser consideradas. Para saber mais sobre o tratamento não farmacológico e farmacológico da insônia, acesse:

Insônia – Diagnóstico e terapia não farmacológica

Insônia – Farmacoterapia

Referências:

1 Sharkey AK, Wallace LJ. Tratamento dos distúrbios da motilidade intestinal e do fluxo da água; antieméticos; fármacos usados nas doenças biliares e pancreáticas. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12ª edição; 2012. p. 1341-44.

2 Brasil, Ministério da Saúde, ANVISA.  Dramin®. [acesso em 2016 set 15]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=24957422016&pIdAnexo=4024118

3 Skidgel AR, Kaplan PA, Erdӧs GE. Histamina, bradicinina e seus antagonistas. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12ª edição; 2012. p. 923.

4 American Society of Health-System Pharmacists. Drug Information. 2013. p. 2942-43.

5 Descritores em Ciências da Saúde. [acesso em 15 out 2016] http://decs.bvs.br/cgi-bin/wxis1660.exe/decsserver/

6 Medscape. Dimenhydrinate – interactions. [acesso em 15 out 2016] http://reference.medscape.com/drug/dramamine-dimenhydrinate-342045#3

 

Insônia – Farmacoterapia

Por Mariana Fontoura Lana Nascimento

No dia 25 de setembro apresentamos os benefícios e recomendações para o tratamento não farmacológico da insônia1*. No entanto, quando o paciente não responde à terapia cognitiva comportamental (TCC) algumas classes de fármacos podem ser usadas2: benzodiazepínicos, agonistas do receptor benzodiazepínico, antidepressivos, anti-histamínicos e antipsicóticos. Os mais frequentemente prescritos para a insônia pertencem às classes dos benzodiazepínicos e hipnóticos-z (não benzodiazepínicos) e por isso os abordaremos neste texto.

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O tratamento farmacológico é baseado na duração e no tipo de insônia, e o acompanhamento do paciente é indispensável para monitorar o aparecimento de reações adversas e minimizar o risco de dependência ao fármaco3. Os benzodiazepínicos, como flurazepam, triazolam e estazolam, são recomendados para o tratamento em curto prazo. Eles reduzem o tempo de início do sono, aumentando o tempo total de sono e diminuindo o número de interrupções do mesmo4. Apresentam alto potencial de causar dependência e uma interrupção abrupta do seu uso pode levar a síndrome de retirada. Os sintomas mais frequentes dessa síndrome são: insônia rebote, aumento da frequência cardíaca, aumento da pressão arterial, tremor e agitação5. Se um benzodiazepínico for usado regularmente por duas semanas ou mais, ele deve ter sua dose reduzida gradativamente em vez de ser retirado subitamente4.

Idosos que fazem o uso de benzodiazepínicos requerem mais cuidados. As tentativas de retirada do fármaco podem ser mal sucedidas, sendo necessário manter o paciente medicado mesmo que em menor dosagem e com especial atenção para efeitos colaterais diurnos, como sonolência e diminuição do reflexo4.

Os hipnóticos-z são medicamentos mais recentes, sintetizados nos anos 80 e 90. Os fármacos zolpidem e zaleplona, exemplos de hipnóticos-z, têm mecanismo de ação semelhante: ambos são efetivos em reduzir o tempo para o início efetivo do sono5, porém têm meia-vidas distintas (tempo necessário para que a concentração do fármaco no sangue seja reduzida à metade). O zolpidem possui meia-vida de cerca de duas horas e atualmente é aprovado apenas para o uso imediato ao deitar. A zaleplona tem meia-vida de uma hora e é aprovada para uso imediato ao deitar ou se depois de passado algum tempo no leito o indivíduo não alcançar o sono efetivo (podendo ser utilizado até 4 horas antes da hora prevista para levantar). Os efeitos colaterais residuais dessas medicações também podem variar: a administração do zolpidem muito próxima do horário de despertar já se associou, por exemplo, à sedação matutina e amnésia anterógrada (dificuldade de recordar eventos após o uso da medicação)4. Os potenciais efeitos colaterais dos hipnóticos-z incluem: perda de memória, sonolência diurna, perda da coordenação motora (representando maior risco na condução de veículos ou máquinas) e quedas principalmente em usuários idosos7. Recomenda-se que ao retirar um hipnótico-z com meia-vida curta, após tratamento por longo período, substituí-lo primeiramente por um hipnótico de meia-vida longa e então reduzir as doses progressivamente. Isso justifica-se pelo fato de que os sintomas de abstinência de medicamentos com meia-vida longa podem ser mais tardios  do que nos medicamentos de meia-vida curta4.

Embora existam evidências que tanto os benzodiazepínicos como os hipnóticos-z possuem eficácia em curto prazo, os últimos apresentam maior aumento na qualidade do sono do indivíduo6.

Em agosto deste ano foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) o fármaco suvorexant (Belsomra®) para o tratamento da insônia. O suvorexant é um antagonista altamente seletivo do receptor de orexina, neuropeptídio misto que mantém os indivíduos acordados. Ele age alterando a sinalização da orexina no cérebro8 e, de acordo com o FDA, utilizar a menor dose eficaz pode reduzir os riscos de efeitos secundários (como sonolência na manhã seguinte). Belsomra® não foi comparado a outros medicamentos aprovados para o tratamento de insônia, por isso não se sabe se há diferenças na segurança e eficácia entre eles9. O medicamento deve estar disponível no mercado americano entre o final de 2014 ou início de 201510.

A insônia é um transtorno muito prejudicial à qualidade de vida e saúde do indivíduo, pois compromete a execução de inúmeras atividades, aumentando o risco de acidentes de trabalho, domésticos e de trânsito pela fadiga que pode provocar. Assim, deve-se estar atento aos seus sintomas, bem como aos possíveis efeitos adversos dos medicamentos utilizados em seu tratamento, já que os mesmos podem também provocar efeitos diurnos que prejudicam as atividades rotineiras. Valorizar o tratamento e realizá-lo de forma adequada e monitorada é fundamental para a melhoria na qualidade de vida dos pacientes.

*Insônia – Diagnóstico e terapia não farmacológica: https://cemedmg.wordpress.com/2014/09/25/insonia-diagnostico-e-terapia-nao-farmacologica/

Referências:

  1. Centro de Estudos do Medicamento, Cemed. Série Insônia – Diagnóstico e Terapia Não Farmacológica. 2014. Disponível em: https://cemedmg.wordpress.com/2014/09/25/insonia-diagnostico-e-terapia-nao-farmacologica/
  2. Mendelson WB, Roth T, Casella J et al. The treatment of chronic insomnia: drug indications, chronic use and abuse liability – Sumary of a 2001 new clinical drug evaluation unit meeting symposium. Sleep Med Ver. 2004
  3. Grupo de Trabajo de la Guía de Prática Clínicaa para el Manejo de Pacientes com Insomnio em Atención Primaria. Plan de Calidad para el Sistema Nacional de Salud del Ministerio de Sanidad y Politica Social. Unidad de Evaluación de Tecnologias Sanitárias. Comunidad de Madrid. Guías de Praticas Clinicas em el SNS: UETS N° 2007/5-1. 2009. Disponível em: http://www.guiasalud.es/GPC/GPC_465_Insomnio_Lain_Entr_compl.pdf
  4. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. Artmed. Ed. 12, 457-479 . 2012
  5. POYARES, Dalva et al . Hipnoindutores e insônia. Rev. Bras. Psiquiatr. São Paulo, v. 27, supl. 1, May 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462005000500002&lng=en&nrm=iso&gt;. Acesso em: 25 de Agosto, 2014.
  6. Kupfer DJ, Reynolds CF. Management of insomnia. NEJM, 336: 341-346. 1997
  7. Información Farmacoterapéutica de la Comarca. ¿Como Prescribimos Hipnóticos? Cuestiones a tener em cuenta. V.13, n.6, 2005. Disponível em: http://www.osakidetza.euskadi.net/r85gkgnrl00/es/contenidos/informacion/cevime_infac/es_cevime/adjuntos/INFAC_Vol_21_N_3.pdf
  8. [Bula de Remédio]. Merck. 2014. Disponível em: http://www.merck.com/product/usa/pi_circulars/b/belsomra/belsomra_pi.pdf. Acesso em: 22 de Setembro, 2014.
  9. Food and Drug Administration, FDA. FDA approves new type of sleep drug, Belsomra. 13 Agosto, 2014. Disponível em: http://www.fda.gov/NewsEvents/Newsroom/PressAnnouncements/ucm409950.htm. Acesso em: 25 de agosto de 2014.
  10. Drug Development Technology Market and Customer Insight. Belsomra (suvorexant) for Treatment of Insomnia, United States of America. Disponível em: http://www.drugdevelopment-technology.com/projects/belsomra-suvorexant-treatment-insomnia/. Acesso em: 15 de Setembro, 2014.