Tirzepatida: um novo medicamento para o controle de diabetes tipo 2

Por: Pedro Verzani

No dia 25 de setembro de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o medicamento tirzepatida, comercializado sob o nome de Mounjaro® . O novo fármaco é indicado como um adjuvante à dieta e exercícios para melhorar o controle dos níveis de glicose no sangue de adultos com diabetes mellitus tipo 2, aprovado também pela FDA (Food and Drug Administration) [1,2,5]. 

A diabetes mellitus tipo 2 (DM – tipo 2) é uma doença crônica com impacto na saúde pública que em 2021 afetou aproximadamente 485 milhões de pessoas, entre  20 a 79 anos de idade, em todo o mundo) [11]. A doença caracteriza-se pela resistência do organismo à insulina, o que impede a entrada da glicose sanguínea nos tecidos, e tem como principais fatores de risco a obesidade, o sedentarismo, a hipertensão arterial sistêmica e hábitos alimentares inadequados. É uma das principais causas de insuficiência renal, cegueira, amputação e doenças cardiovasculares [1]. Trata-se de uma doença frequente, quando comparada com a diabetes mellitus tipo 1,  pois abrange cerca de 90% dos casos de diabetes no Brasil [1,3]. Dados do Vigitel 2023 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), mostram que a DM – tipo 2 atinge 10,2% da população brasileira [10]. 

As células que constituem o nosso organismo possuem receptores que podem sinalizar uma ação, desencadeando assim um efeito biológico. Deste modo, a tirzepatida classifica-se como um agonista (isto é, mimetiza a ação dos receptores) do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1), de mecanismo dual (dois em um), pois também atua nos polipeptídeos insulinotrópicos dependentes de glicose (GIP). Este mecanismo de ação faz deste medicamento uma inovação em relação a outros fármacos da mesma classe disponíveis no mercado (semaglutida e  liraglutida), já que sua ação semelhante ao GLP-1 e GIP é sinérgica no controle da glicemia e na ingestão de alimentos [2,5].

Por se tratar de um agonista do GLP-1 e GIP, o fármaco liga-se aos mesmos receptores celulares que esses dois hormônios, amplificando a resposta biológica já existente. O hormônio GLP-1 é produzido pelo pâncreas e intestino delgado todas as vezes que nos alimentamos, com a principal função de estimular a liberação de insulina e suprimir a secreção de glucagon pelo pâncreas. Além disso, o GLP-1 bloqueia a liberação de glicose no fígado e retarda o esvaziamento gástrico, o que aumenta a sensação de saciedade. Por outro lado, o GIP, hormônio produzido pelas células do intestino delgado, pode agir de forma aditiva ao GLP-1, como também aumentar a sensibilidade à insulina, o que é essencial no controle da diabetes mellitus tipo 2. Sendo assim, o mecanismo de ação da tirzepatida potencializa a resposta já natural do nosso corpo, o que a torna relevante no controle da diabetes tipo 2 para pacientes com obesidade [5,8].

A apresentação do fármaco aprovada pela Anvisa é de administração subcutânea. A dose varia de 2,5 mg a 15 mg, administrada uma vez por semana no abdômen, coxa ou parte superior do braço e deve ser aplicada em locais diferentes a cada aplicação, em um esquema conhecido como rodízio de áreas. Caso o paciente também faça uso da insulina injetável, o local da administração da injeção da tirzepatida deve ser diferente. A injeção pode ser aplicada em qualquer hora do dia, no mesmo dia de cada semana. Quanto à administração das doses, a de 2,5 mg é a mais indicada no início do tratamento, o que pode mudar ao longo das semanas de acordo com o acompanhamento médico, sendo a dose de 15 mg a máxima permitida pela Anvisa [1]. 

Em um estudo publicado em 2021 pela New England Journal of Medicine, a eficácia e segurança da tirzepatida foram comparadas à semaglutida. O estudo teve duração de 40 semanas, selecionando aleatoriamente 1879 pacientes, de  128 locais em 8 países diferentes, incluindo o Brasil, com diabetes tipo 2, em uso de metformina (dose ≥ 1500 mg/dia) com manejo inadequado (nível de hemoglobina glicada (Hb1Ac) de 7,0 a 10,5% e índice de massa corporal (IMC; peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros) de pelo menos 25), e peso estável (±5%) durante o 3 meses anteriores.  No início do estudo, a média de idade entre os participantes foi de 56,6 anos, o peso médio foi de 93,7 kg e o nível médio de Hb1Ac era de 8,28%.  Os pacientes foram separados em três grupos que receberam tratamento uma vez por semana com tirzepatida em uma  dose de 5 mg, 10 mg ou 15 mg, sendo a dose inicial de 2,5 mg aumentada a cada 4 semanas de forma gradativa, e um  grupo que recebeu  semaglutida uma vez por semana na dose de 1 mg, sendo a dose inicial de 0,25 mg, também aumentada a cada 4 semanas de forma gradativa. O desfecho primário analisado foi a alteração dos níveis de hemoglobina glicada e o principal desfecho secundário foi a modificação do peso corporal entre o início do estudo e a semana 40. Os três grupos com doses de tirzepatida tiveram redução de 2,01, 2,24 e 2,30 pontos percentuais na média de hemoglobina glicada (em uso de 5 mg, 10 mg e 15 mg, respectivamente). Já o grupo com dose de semaglutida 1 mg, obteve redução de 1,86 pontos percentuais [4].

Os resultados desse estudo demonstraram maior eficácia na redução da média de hemoglobina glicada e peso corporal nos grupos tratados com tirzepatida em comparação com a semaglutida. Os eventos adversos mais relatados foram gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarreia, sendo a maioria de gravidade leve a moderada. Eventos adversos graves que incluem mortes por causas não relacionadas ao uso dos medicamentos, hipoglicemia severa e pancreatite foram relatados em 5 a 7% dos pacientes que receberam tirzepatida e em 3% dos pacientes que receberam semaglutida. Apesar dos efeitos positivos quanto à perda de peso, é importante ressaltar que a tirzepatida deve ser administrada sob orientação e prescrição médica, de acordo com a necessidade individual de cada paciente [4].

Os efeitos adversos mais comuns no uso da tirzepatida são: gastrointestinais (perda de apetite, diarreia, náuseas, vômito, dor abdominal, flatulência), taquicardia sinusal, doença na vesícula biliar (incluindo cólica biliar,  colecistectomia e colelitíase) e pancreatite aguda. [6,7,8]. Além disso, é contraindicado para pessoas com alergia ao fármaco, pacientes com diabetes do tipo 1, histórico familiar de carcinoma medular de tireoide, síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2, gestantes e pessoas com pancreatite crônica. [6,7]. Quanto às interações medicamentosas, há descrito na literatura que a tirzepatida pode reduzir a eficácia de contraceptivos orais e retardar a absorção da insulina devido às alterações gástricas causadas [9].  

Todavia, apesar dos aparentes benefícios proporcionados pela tirzepatida, é importante ressaltar que  o uso racional do medicamento deve ser uma preocupação entre os prescritores e usuários. É essencial que seja feito o uso mediante orientação e acompanhamento médico, onde serão avaliados todos os parâmetros de indicação, efetividade e segurança, a fim de prevenir efeitos adversos graves, uma vez que trata-se de um medicamento destinado para um grupo específico de pacientes, com diabetes tipo 2 associada à outras comorbidades – como a obesidade, e o tratamento deve ser acompanhado de exercícios físicos e uma alimentação saudável e balanceada [7].

Referências:

[1] Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – Mounjaro (tirzepatida): novo registro. Disponível em:  https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/mounjaro-r-tirzepatida-novo-registro

[2] Conselho Federal de Farmácia. Tizerpatida: Anvisa aprova novo medicamento promissor para o tratamento de diabetes tipo 2. Disponível em: https://site.cff.org.br/noticia/Noticias-gerais/25/09/2023/tizerpatida-anvisa-aprova-novo-medicamento-promissor-para-o-tratamento-de-diabetes-tipo-2

[3] Ministério da Saúde. Diabetes mellitus. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/diabetes

[4] Frías JP, Davies MJ, Rosenstock J, Pérez Manghi FC, Fernández Landó L, Bergman BK, Liu B, Cui X, Brown K. Tirzepatide versus Semaglutide Once Weekly in Patients with Type 2 Diabetes. New England Journal of Medicine. 2021 Aug 5;385(6):503-515. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMoa2107519?articleTools=true

[5] Jastreboff AM, Aronne LJ, Ahmad NN, Wharton S, Connery L, Alves B, Kiyosue A, Zhang S, Liu B, Bunck MC, Stefanski A. Tirzepatide Once Weekly for the Treatment of Obesity. The New England Journal of Medicine. 2022 July 21; 387(3):205-16.  Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2206038

[6] UPTODATE: Glucagon-like peptide 1-based therapies for the treatment of type 2 diabetes mellitus. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/glucagon-like-peptide-1-based-therapies-for-the-treatment-of-type-2-diabetes-mellitus

[7] UPTODATE: Tirzepatide: Drug information. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/tirzepatide-drug-information?search=tirzepatida&source=panel_search_result&selectedTitle=1~6&usage_type=panel&kp_tab=drug_general&display_rank=1

[8] Kaneko, Shizuka. Tirzepatide: A Novel, Once-weekly Dual GIP and GLP-1 Receptor Agonist for the Treatment of Type 2 Diabetes. Touch Medical Media. 2022 June 16. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9354517/pdf/touchendo-18-10.pdf

[9] UPTODATE: Tirzepatide: drug interactions. Disponível em: https://www.uptodate.com/drug-interactions/?source=responsive_home#di-analyze

[10] Ministério da Saúde: Vigitel Brasil 2023 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigitel/vigitel-brasil-2023-vigilancia-de-fatores-de-risco-e-protecao-para-doencas-cronicas-por-inquerito-telefonico

[11] Global, regional, and national burden of diabetes from 1990 to 2021, with projections of prevalence to 2050: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2021. Elsevier Ltd. July 15 2023. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(23)01301-6/fulltext

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