O uso de metformina no tratamento de diabetes mellitus tipo 1 é eficaz?

por Alícia Amanda Moreira Costa

O diabetes mellitus tipo 1 é caracterizado pela incapacidade do organismo em produzir insulina e sua causa pode estar associada a fatores como a hereditariedade ou a ocorrência de infecções virais que atinjam o pâncreas1. A Federação Internacional de Diabetes indica que, em 2015, havia 542 mil crianças abaixo de 14 anos com diabetes tipo 1 no mundo, sendo o Brasil o terceiro lugar com maior número de casos2.

No diabetes, a captação e a utilização da glicose pelas células do organismo ficam comprometidas, levando ao aumento da glicose no sangue. Esse quadro pode causar complicações como lesões vasculares, neuropatia, cegueira, ataques cardíacos, insuficiência renal, entre outras1,3. Geralmente, o início do diabetes tipo 1 ocorre até os 15 anos de idade e os sintomas mais característicos são sede e aumento do volume de urina. O diagnóstico em adultos também ocorre, mas com menor frequência, e os sintomas clássicos observados em crianças podem não ocorrer nessa faixa etária4.

O tratamento do diabetes tipo 1 consiste na adoção de medidas não farmacológicas e farmacológicas. As medidas não farmacológicas incluem a prática de atividades físicas e dieta controlada, principalmente em relação ao consumo de carboidratos, já que esses são os principais responsáveis pelo aumento da glicemia após as refeições5. O tratamento farmacológico se dá pela utilização de insulinas exógenas, cujo objetivo é controlar as variações de glicemia ao longo do dia. Além disso, em algumas situações, o uso do antidiabético oral metformina tem sido prescrito para auxiliar na melhora de resultados metabólicos. Contudo, essa conduta ainda é controversa.

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Uma revisão sistemática com metanálise6, que incluiu seis ensaios clínicos randomizados envolvendo o total de 325 crianças/adolescentes (6 a 19 anos) diagnosticadas com diabetes tipo 1, avaliou o uso da metformina. Nesses estudos, foram comparados dois grupos, sendo que o primeiro utilizou metformina e insulina e o segundo utilizou placebo (medicamento sem substância ativa) também associado ao tratamento padrão com insulina. A adição de metformina à terapia com insulina não promoveu a diminuição da hemoglobina glicada* nos seis estudos avaliados, sendo que em cinco deles, foram relatados quadros de hipoglicemia. Porém, quatro dentre os seis estudos indicaram que a metformina proporcionou redução moderada do índice de massa corpórea (IMC) e da dose diária de insulina. No geral, a qualidade da evidência dos estudos incluídos foi de alta a moderada, exceto em relação ao perfil lipídico (triglicérides, HDL e LDL), que foi classificado como impreciso devido ao pequeno número de estudos.

Em outra revisão sistemática7 também foi avaliado o efeito da adição de metformina à insulina em comparação à adição de placebo. Foram incluídos oito ensaios clínicos randomizados que somaram uma amostra 300 participantes com idade maior do que 14 anos. Observou-se que o uso de metformina foi eficaz em reduzir a dose diária de insulina, os níveis de colesterol total e LDL, mas também reduziu o HDL e aumentou o risco de eventos adversos gastrointestinais. Não houve diferença significativa entre uso de metformina ou placebo quanto a alterações nos níveis de hemoglobina glicada, glicose plasmática em jejum e triglicerídeos. Além disso, esses resultados devem ser avaliados com cautela, pois o tamanho da amostra estudada é relativamente pequeno para embasar uma tomada de decisão.

Concluímos que as evidências disponíveis não são suficientes para suportar o uso da metformina no diabetes tipo 1 para redução dos níveis glicêmicos. No entanto, o medicamento pode trazer efeitos benéficos sobre outros parâmetros, podendo ser útil para determinados pacientes. Estudos mais robustos sobre a associação de metformina à insulina são necessários para verificar se o antidiabético oral é realmente eficaz nesse contexto. Ademais, é importante verificar se a adição do medicamento traz uma relação favorável entre benefícios e riscos, uma vez que a metformina pode causar eventos adversos como diarreia, vômitos, náuseas e alterações no paladar8.

*hemoglobina glicada: útil na identificação de altos níveis de glicemia em períodos longos.

Referências Bibliográficas:

1 Guyton e Hall. Tratado de Fisiologia Médica. 13ª edição. Elsevier, 2017.

2 Diretriz IDF Diabetes Atlas, 7 ed. Brussels, Belgium: International Diabetes Federation; 2015.

3 Organização Mundial de Saúde. Fact sheets: Diabetes. Internet. [acesso em março/2020]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/diabetes

4 American Diabetes Association. 2. Classification and diagnosis of diabetes. Diabetes care. 2017;40(Supplement 1):S11-S24.

5 Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Diabete Melito Tipo 1. 2018. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/15/Portaria-Conjunta-n8-Diabete-Melito-Tipo1-RETIFICADO.pdf

6 Al Khalifah RA, Alnhdi A, Alghar H, Alanazi M, Florez ID. The effect of adding metformin to insulin therapy for type 1 diabetes mellitus children: a systematic review and meta‐analysis. Pediatric diabetes. 2017;18(7):664-73.

7 Liu C, Wu D, Zheng X, Li P, Li L. Efficacy and safety of metformin for patients with type 1 diabetes mellitus: a meta-analysis. Diabetes technology & therapeutics. 2015;17(2):142-8.

8 Bulário eletrônico Anvisa. Bula do medicamento genérico: cloridrato de metformina. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/index.asp. [acesso em março/2020].

Diabetes mellitus, insulinoterapia e cuidados necessários para o armazenamento e administração de insulina

por Alícia Amanda Moreira Costa

O envelhecimento populacional no Brasil e no mundo tem tornado as doenças crônicas não transmissíveis, como a hipertensão arterial e o diabetes, as principais causas de óbito, ultrapassando as taxas de mortalidade causadas pelas doenças infecciosas e parasitárias1. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o número de pessoas com diabetes mellitus no mundo aumentou de 108 milhões em 1980 para 422 milhões em 20142. O diabetes é uma doença metabólica crônica causada pela deficiência na produção ou na ação da insulina (hormônio responsável pela captação da glicose nos vasos sanguíneos e envio para as células), gerando excesso de glicose no sangue (hiperglicemia). Se não tratado corretamente, o diabetes pode evoluir para complicações graves e comprometer a qualidade de vida do indivíduo.

As formas mais comuns da doença são o diabetes tipo 1, caracterizado pela autodestruição de células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina, e o diabetes tipo 2, que ocorre devido a menor sensibilidade de alguns tecidos à insulina, gerando resistência à ação desse hormônio4. Nesse sentido, o desenvolvimento do diabetes tipo 2 está associado ao estilo de vida do indivíduo, sendo o sedentarismo, obesidade, uso de álcool e tabaco fatores de risco para o desenvolvimento de tal doença. De maneira geral, o tratamento consiste em dieta (equilibrando o consumo de açúcares como carboidratos, proteínas e gorduras), prática regular de atividades físicas e tratamento medicamentoso com antidiabéticos orais e insulina, quando indicados4.

O tratamento farmacológico do diabetes tipo 1 é realizado com insulina, cujo objetivo é controlar as variações de glicemia, já que com as doses diárias pretende-se produzir o mesmo efeito da insulina produzida pelo pâncreas4. As insulinas mais comuns são aquelas cuja via de administração é a subcutânea, podendo a insulina regular também ser administrada por via intramuscular e endovenosa em situações que requerem efeito imediato4.

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Fonte: Google Imagens

Para o tratamento do diabetes tipo 2, por ser uma doença progressiva que leva à perda de função das células beta do pâncreas ao longo dos anos,  recomenda-se que o tratamento inicie com um antidiabético oral (metformina), podendo ser adicionado outro antidiabético ou insulina, caso o controle da glicemia não seja alcançado. Se, ainda sim, a hiperglicemia não for controlada, recomenda-se aumentar gradativamente a dose de insulina com base na glicemia de jejum até que a dose adequada seja atingida5.

O armazenamento das insulinas deve ser feito sob refrigeração (entre 2°C e 8°C). As ampolas que já foram abertas e estão em uso podem ser mantidas em temperatura ambiente por até 30 dias a fim de minimizar a dor durante a administração. Dessa forma, é aconselhável anotar a data de abertura do frasco3,4. As seringas e agulhas não devem ser reutilizadas, pois são fontes de transmissão de infecções. Além disso, as agulhas usadas têm sua capacidade perfurocortante reduzida, o que pode causar dor no momento da aplicação e está associado ao desenvolvimento de lipohipertrofia*5. A utilização de canetas é outra opção de uso3. A tabela 1 mostra alguns tipos de insulinas existentes no mercado e também as dispensadas pelo SUS7.

 

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Outra forma de administração de insulina é por via inalatória. Em junho de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou um novo registro de insulina de ação rápida, cuja administração se dá por essa via. O produto, que ainda não está disponível para comercialização no Brasil, garante maior comodidade na hora da utilização, mas não dispensa o uso da insulina de longa duração, sendo apenas um auxiliar no tratamento do diabetes. Ademais, não é recomendado para pacientes tabagistas, já que sua eficácia e segurança ainda não foram estabelecidas, e nem para tratamento de cetoacidose diabética**6.

A compreensão dessas abordagens terapêuticas e o engajamento do paciente são fundamentais para que o diabetes não evolua com complicações como neuropatias, perda de membros por deficiência na circulação sanguínea, doença renal, problemas na visão (ex.: glaucoma, cegueira), entre outros3. Além disso, independente do tipo de diabetes, a prática de atividades físicas, controle do peso e adoção de uma dieta alimentar equilibrada são imprescindíveis que o tratamento seja efetivo.

 

Glossário:

*Lipohipertrofia: Efeito adverso caracterizado por lesões fibrosas pouco vascularizadas que geralmente se desenvolvem no local de aplicação de insulina8.

**Cetoacidose: Complicação aguda do diabetes em que há aumento de glicose na corrente sanguínea, desidratação e acidose metabólica (pH <7,3)4.

 

Referências Bibliográficas:

1 Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não transmissíveis. Brasília; 2005. Disponível em: http://livroaberto.ibict.br/bitstream/1/899/1/vigilancia_controle_prevencao_doencas_cronicas.pdf

2 Organização Mundial de Saúde. Fact Sheets: Diabetes. Internet. [acesso em 02/09/2019]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/diabetes

3 Ministério da Saúde. Diabetes (diabetes mellitus): Sintomas, Causas e Tratamentos. Internet. [acesso em 02/09/2019]. Disponível em: http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/diabetes#complicacoes.

4 Fuchs, FD. Wannmacher, L. Farmacologia Clínica.  4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010.

5 Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Paulo: Clannad; 2017.

6 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Novo registro: Afrezza. Internet. [acesso em 02/09/2019]. Disponível em: https://bit.ly/2M7qLTJ.

7 Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos 2018. Brasília; 2018. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/medicamentos_rename.pdf

8 Famulla S, Hovelmann U, Fischer A, Coester HV, Hermanski L, Kaltheuner M, et al. Insulin Injection Into Lipohypertrophic Tissue: Blunted and More Variable Insulin Absorption and Action and Impaired Postprandial Glucose Control. Diabetes care. 2016;39(9):1486-92.