Riscos associados ao uso do paracetamol

por Alícia Amanda Moreira Costa

A automedicação é definida como a utilização de medicamentos por conta própria ou por indicação de pessoas não habilitadas, sem a orientação prévia de um médico, farmacêutico ou dentista1. Embora seja uma prática aceita pela Organização Mundial de Saúde, desde que seja realizada de forma racional e como parte do autocuidado, ela tem contribuído para aumentar os casos de intoxicação por medicamento no Brasil2. Em 2014, de acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico – Farmacológicas (SINITOX), os medicamentos foram responsáveis por 30% das intoxicações no Brasil e por 25% dos casos de morte por intoxicação3. Medicamentos isentos de prescrição (ou de venda livre) como o paracetamol tem sido a principal causa de intoxicações medicamentosas4,5.

O paracetamol é um analgésico e antitérmico utilizado no tratamento de dor e febre6. Seu efeito inicial ocorre em menos de uma hora após a administração oral e sua permanência no organismo é de 4 a 6 horas. Sua dose diária máxima para adultos é de 4000 mg, não devendo exceder  1000 mg/dose com intervalos de 4 a 6 horas. Para as crianças menores de doze anos, a dose recomendada varia de 10 a 15 mg/kg, com intervalos de 4 a 6 horas entre cada administração7.

Sad face made from pills

Fonte: Google imagens

O fácil acesso ao medicamento e o desconhecimento da população sobre seus efeitos nocivos têm aumentado o número de intoxicações4.  O uso do paracetamol em doses elevadas, a ingestão de medicamentos que potencializam sua toxicidade no fígado – como isoniazida, carbamazepina e rifampicina – e outros fatores concomitantes como uso de álcool, tabagismo, características genéticas, idade, estado nutricional e presença de doenças no fígado podem causar lesões mais graves e até mesmo levar a falência hepática8.

Quadro 1 – Possíveis causas de intoxicações não intencionais por paracetamol8.

paracetamol

A intoxicação por paracetamol apresenta-se em três estágios. Nas primeiras 24 horas o paciente pode não apresentar sintomas ou sentir leve mal-estar, náuseas, vômitos, palidez e dor no estômago. Entre 24 e 72 horas o paciente pode seguir sem apresentar nenhum sintoma, apresentar sintomas leves ou iniciar com dor na região do fígado. O período de 72 horas até cinco dias é quando ocorrem os sintomas mais definidos da toxicidade no fígado (hipoglicemia e encefalopatias), podendo evoluir para falência do órgão9,10.

A procura pelo farmacêutico no momento da aquisição de um medicamento de venda livre é indispensável para obter orientações sobre a maneira correta e mais segura para sua utilização. Ele pode ajudar a calcular a dose adequada, além de informar sobre outras opções farmacológicas ou não farmacológicas para tratar os sintomas relatados, orientando sobre os possíveis danos associados ao uso do medicamento e os cuidados necessários para preveni-los1,8.

Referências:

1 Anvisa. Uso Indiscriminado de Medicamentos. [acesso em nov/2017]. Disponível em: www.anvisa.gov.br/propaganda/folder/uso_indiscriminado.pdf.

2 Castro HC. Automedicação: entendemos o risco? Infarma. 2006. 18. (9/10). [acesso em mar/2018]. Disponível em: http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/12/inf17a20.pdf

3 Sistema Nacional de Informações Tóxico – Farmacológicas. Rio de Janeiro. Fiocruz. [acesso em nov/2017]. Disponível em: https://sinitox.icict.fiocruz.br/dados-nacionais

4 Aquino DSD. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Ciência & Saúde Coletiva. 2008; 13, 733-736.

5 Bortolon PC, Medeiros EFFD, Naves JOS, Karnikowski MGDO, Nóbrega ODT. Análise do perfil de automedicação em mulheres idosas brasileiras.  Ciência & Saúde Coletiva. 2008; 13, 1219-1226.

6 Lopes, J. Matheus ME. Risco de Hepatotoxicidade do paracetamol. . Rev. Bras. Farm. 2012; 93 (4): 411-414. [acesso em nov/2017]. Disponível em: rbfarma.org.br/files/rbf-2012-93-4-3.pdf

7 Lacy CF, Armstrong LL, Goldman MP, Lance LL, editores. Medicamentos Lexi-Comp Manole. 1ª edição. Barueri, 2009. p.1043.

8 Acetaminophen: Preventing Harm through Safe Use. 2017. [acesso em nov/2017]. Disponível em: https://www.ismp-canada.org/download/safetyBulletins/2017/ISMPCSB2017-04-Acetaminophen.pdf

9 Rowden AK, Norvell J, Eldridge DL,  Kirk MA. Updates on acetaminophen toxicity. Medical Clinics. 2005; 89(6), 1145-1159.

 

O que são Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs)?

por Mariana Fontoura Lana Nascimento

Medicamentos isentos de prescrição (MIPs), também conhecidos como medicamentos de venda livre ou over the counter (expressão em inglês, que significa “em cima do balcão”), são aqueles que não necessitam de prescrição médica para sua aquisição e possuem a finalidade de tratar, aliviar e prevenir sintomas não graves1, 2,3,4.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) instituiu regulamentação e critérios para classificação dos MIPs por meio da RDC n° 98/2016. Esta relação de medicamentos foi enquadrada em uma lista de medicamentos isentos de prescrição (Veja exemplos)1. A atual norma revoga a RDC n° 138/2003, que não considerava a possibilidade de atualização da lista dos MIPs. Logo, mesmo os medicamentos que atendiam aos critérios de enquadramento, mas não constavam na lista, não podiam ser incorporados5.

A solicitação para a classificação de um medicamento como isento de prescrição passa por um rigoroso processo de análise pela Anvisa, que considera uma série de critérios (Tabela 1). É importante ressaltar que, medicamentos administrados por via parenteral (via endovenosa, via intramuscular e via subcutânea), medicamentos novos no mercado e apresentações que tenham a indicação de prescrição médica não podem ser enquadrados como MIPs1.

Tabela 1_MIPs_MFLN
Fonte: adaptado da Anvisa, 2016.

Os MIPs são visualmente identificados pela ausência de tarja na embalagem. Já os medicamentos tarjados podem ser diferenciados como6, 7:

  • Tarja vermelha – aqueles em que a venda ocorre sob prescrição médica, porém sem retenção do receituário6;
  • Tarja vermelha e com os dizeres “Só pode ser vendido com retenção de receita” – aqueles em que a venda ocorre sob prescrição médica e com retenção do receituário6, 7;
  • Tarja preta – aqueles sujeitos a controle especial em que a venda ocorre sob prescrição médica e notificação especial com retenção da receita7.
MIPS

Fonte: Google Imagens

 

O uso dos MIPs pode trazer benefícios para o autocuidado. No entanto, assim como qualquer medicamento, o seu uso pode resultar em reações indesejáveis como intoxicações, interações medicamentosas com impacto clínico importante, e no mascaramento de um sintoma grave, resultando em demora na procura de atendimento médico e, consequentemente, agravamento do quadro clínico8.

A disposição dos MIPs em prateleiras externas ao balcão de atendimento e o Projeto de Lei 284/15, que prevê a venda desses medicamentos em estabelecimentos comerciais (minimercados, empórios, drugstores, lojas de conveniência e armazéns), bem como a ausência de orientação farmacêutica no momento da dispensação, expõe a população a riscos importantes9. Muitas vezes o usuário, que busca por um MIP, não compreende totalmente seus sintomas e não possui informação suficiente para tomar uma decisão adequada ao seu tratamento. Nesse sentido, a aproximação entre usuários e profissionais de saúde, em especial o farmacêutico, garante a decisão da opção terapêutica mais segura e eficaz dentro do quadro clínico apresentado, promovendo o uso racional de medicamentos e uma automedicação responsável 10, 11.

“Medicamento livre de prescrição não é isento de orientação11.”

         

Referências Bibliográficas:

1 – Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. RDC N° 98, DE 1° DE AGOSTO DE 2016 – Dispõe sobre os critérios e procedimentos para o enquadramento de medicamentos como isentos de prescrição e o reenquadramento como medicamentos sob prescrição, e dá outras providências. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2921766/RDC_98_2016.pdf/32ea4e54-c0ab-459d-903d-8f8a88192412. Acesso em: 25/05/2017.

2 – FDA, Food and Drug Administration. Sec. 201.66 Format and content requirements for over-the-counter (OTC) drug product labeling. Disponível em: https://www.accessdata.fda.gov/scripts/cdrh/cfdocs/cfcfr/CFRSearch.cfm?fr=201.66. Acesso em: 25/05/2017.

3 – Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. RDC N° – 41, DE 26 DE JULHO DE 2012 – Altera Resolução RDC Nº 44, de 17 de agosto de 2009, que dispõe sobre Boas Prá- ticas Farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias e dá outras providências, e revoga a Instrução Normativa IN nº 10, de 17 de agosto de 2009. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/RDC_41_2012.pdf/464ebb45-88d7-42c3-ae75-a3f430bcbdc0. Acesso em: 25/05/2016.

4 – Conselho Federal de Farmácia, CFF. RESOLUÇÃO Nº 585 DE 29 DE AGOSTO DE 2013 – Ementa: Regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e dá outras providências. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucoes/585.pdf. Acesso em: 06/07/2017

5 – Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. RDC N° 138, DE 29 DE MAIO DE 2003 – Dispõe sobre o enquadramento na categoria de venda de medicamentos. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_138_2003_COMP.pdf/aba3e887-0645-493f-b533-99d5ae52eeb5. Acesso em: 25/05/2017.

6 – Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. RDC N° 71, 22 de dezembro de 2009 – Estabelece regras para a rotulagem de medicamentos. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2009/res0071_22_12_2009.html. Acesso em: 25/05/2017.

7 – Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. Portaria nº 344, de 12 de 1998 – Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/talidomida/legis/Portaria_344_98.pdf. Acesso em 25/05/07.

8 – Conselho Federal de Farmácia, CFF. Centro Brasileiro de Informações Sobre Medicamentos, CEBRIM. Parecer Cebrim/CFF n° 004/2012 – Quais os riscos envolvidos na liberalização da venda de medicamentos isentos de prescrição (MIP), nas gôndolas das farmácias?! Brasília, DF. 2012.

9 – Senado Federal. Gabinete do Senador Romero Jucá. O Projeto de Lei 284/15 – Altera a Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras Providências, para ampliar os estabelecimentos de dispensação dos medicamentos isentos de prescrição médica – MIPs. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=121209. Acesso em 25/05/2017.

10 – Ministério da Saúde, MS. Secretaria de Políticas de Saúde.  PORTARIA Nº 3.916, DE 30 DE OUTUBRO DE 1998 – Política Nacional de Medicamentos. Brasília, DF. 1998. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html. Acesso em: 25/05/2017.

11 – Brasil. Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Organização Pan-Americana da Saúde. Fascículo II – Medicamentos Isentos de Prescrição / Projeto Farmácia Estabelecimento de Saúde / CRF-SP: Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo; Organização Pan-Americana de Saúde. Brasília, 2010. Disponível em: http://portal.crfsp.org.br/index.php/farmacia-estabelecimento-de-saude.html. Acesso em: 25/05/2017.