Prevenindo erros de medicação com Medicamentos Potencialmente Perigosos

por Mariana Fontoura L. Nascimento e Raissa Carolina F. Cândido

Os erros associados à assistência à saúde resultam em cerca de 250.000 óbitos/ano nos Estados Unidos, sendo esta a terceira causa de mortes no país1. No Brasil, estima-se que somente em 2015 as falhas nos processos de cuidado resultaram em mais de 1.000 óbitos por dia2. Entre os erros associados à assistência à saúde, estão os erros de medicação. Eles resultam, em pelo menos, uma morte todos os dias nos Estados Unidos e causam danos em cerca de 1,3 milhão de pessoas por ano3. Além disso, estima-se que os erros de medicação geram um gasto anual de cerca de 42 bilhões de dólares4.

MPP

Fonte: Google Imagens

Frente a esse quadro, em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o 3º Desafio Global de Segurança do Paciente com o tema “Medicação sem Danos” (em inglês, “Medication Without Harm”). O objetivo é estimular e apoiar ações nos estados-membros da OMS para reduzir em 50% os danos graves e evitáveis associados a medicamentos, nos próximos 5 anos5.

O 3º Desafio Global foi estruturado propondo ações em áreas e temas específicos. Entre as categorias de ações prioritárias foram selecionados alguns medicamentos devido ao seu maior potencial de causar danos aos pacientes, sendo a maioria deles conhecida como medicamentos potencialmente perigosos (ou medicamentos de alta vigilância ou medicamentos de alto risco)4 (Quadro 1). Os medicamentos potencialmente perigosos são aqueles que quando ocorrem falhas em seu processo de utilização podem provocar danos graves ao paciente, como lesões permanentes e óbito5,6.

Quadro 1 – Lista de Medicamentos Potencialmente Perigosos7

Medicamentos Potencialmente Perigosos

Fonte: ISMP Brasil, 2015.

A prevenção de erros de medicação associados ao uso dos medicamentos potencialmente perigosos envolve ações que, principalmente, reduzam a possibilidade de ocorrência de erros, tornem os erros visíveis e minimizem suas consequências visando à segurança do paciente7. Segundo o Instituto pra Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP Brasil), dez estratégias importantes podem ser adotadas para a prevenção de erros de medicação com esse grupo de medicamentos7:

  1. Implantar barreiras que reduzam, dificultem ou eliminem a possibilidade da ocorrência de erros de medicação;
  2. Adotar protocolos claros e detalhados para utilização de medicamentos potencialmente perigosos;
  3. Revisar a padronização de medicamentos potencialmente perigosos da instituição continuamente;
  4. Reduzir ao mínimo necessário o número de apresentações de um mesmo medicamento na instituição;
  5. Centralizar os processos com elevado potencial de indução de erros na farmácia da instituição;
  6. Usar procedimentos de dupla checagem independente dos medicamentos;
  7. Incorporar alertas automáticos nos sistemas informatizados (ex.: dose máxima, via de administração; necessidade de diluição de eletrólito concentrado);
  8. Fornecer e melhorar o acesso à informação por profissionais de saúde e pacientes;
  9. Estabelecer protocolos com o objetivo de minimizar as consequências dos erros;
  10. Monitorar o desempenho das estratégias de prevenção de erros.

A atuação do farmacêutico tanto na gestão e fluxo dos medicamentos, quanto na prática clínica, acompanhando de perto os processos que envolvem a prescrição, preparo e administração dos medicamentos, especialmente os medicamentos potencialmente perigosos, é fundamental para a prevenção de erros. Além disso, fomentar a discussão sobre os erros de medicação e quais estratégias podem ser utilizadas para minimizá-los contribui para a redução de falhas dentro das instituições de saúde e para a quebra de paradigmas sobre os erros5. Na maioria das vezes, os erros são tratados de forma equivocada, principalmente quando atribuem constrangimento profissional, perda de prestígio e punições ao indivíduo que as cometeu10. Como consequência, muitos erros são subnotificados, dificultando a correção de falhas nos processos de cuidado e a adoção de práticas seguras e efetivas no uso de medicamentos.

Referências Bibliográficas

1 – Makary MA, Daniel M. Medical error — the third leading cause of death in the US. BMJ 2016;2139 (May):1–5. BMJ 2016;353:i2139 doi: 10.1136/bmj.i2139 (Published 3 May 2016)

2 – Couto RC, Pedrosa TGM, Rosa MB. Erros acontecem: a força da transparência no enfrentamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados. Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. 2016:49p.

3 – World Health Organization. WHO launches global effort to halve medication-related errors in 5 years. Geneva: World Health Organization, 2017.

4 – World Health Organization. Medication Without Harm – Global Patient Safety Challenge on Medication Safety. Geneva: World Health Organization, 2017

5 – Cohen MR, Proulx SM, Crawford, SY. Survey of hospital systems and common serious medication errors. J Healthc Risk Manag. 1998;18(1):16-27.

6 – Federico F. Preventing harm from high-alert medications. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2007;33(9):537-42.

7 – Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP Brasil). Medicamentos Potencialmente Perigosos de uso hospitalar e ambulatorial – Listas atualizadas 2015. Boletim ISMP Brasil, v. 4, n. 3. Setembro, 2015. Disponível em: http://www.ismp-brasil.org/site/wp-content/uploads/2015/12/V4N3.pdf. Acesso em: 21/11/2017.

8 – Rosa MB, Perini E, Anacleto TA, Neiva HM, Bugutchi T. Erros na prescrição hospitalar de medicamentos potencialmente perigosos. Rev Saúde Pública 2009;43(3):490-8. Disponível em: http://www.saudedireta.com.br/docsupload/13398805157265.pdf. Acesso em: 21/11/2017.

Erro de medicação e a segurança do paciente: uma questão de saúde pública

por Alessandra C. Montes Frade

Ministério da Saúde

Ministério da Saúde

Erro de medicação é definido como “qualquer evento evitável que, de fato ou potencialmente, pode levar ao uso inadequado de medicamento”, podendo ou não lesar o paciente1. Normalmente é uma ideia relacionada à administração inadequada de um medicamento, mas também pode ocorrer na prescrição e na dispensação de medicamentos2. Os erros de medicação, junto aos demais erros na prática da atenção à saúde (a prática profissional inadequada, erros de procedimentos, problemas nos materiais utilizados e de comunicação) são hoje reconhecidos como um dos grandes problemas de saúde pública1.

Em relação aos medicamentos, muitos tipos de erros têm sido descritos na literatura: omissão (falha em administrar a dose prescrita); uso de medicamentos não prescritos; administração de doses extras ou doses erradas; forma farmacêutica e posologia inadequadas; uso de medicamentos deteriorados; técnicas de administração e horário errados2. No ambiente hospitalar, a gravidade das potenciais consequências danosas desses erros pode ser influenciada pelo estado clínico do paciente. No Brasil ainda não estão disponíveis estatísticas de óbitos relacionadas a erros de medicação3, mas estudos apontam que nos EUA ocorrem mais de 7.000 mortes por ano causadas por erro de medicação, sendo que 2 a 14% ocorrem em pacientes hospitalizados4.

Apesar do processo de utilização dos medicamentos nos hospitais ser bastante complexo, envolvendo de 20 a 30 etapas diferentes1, há varias medidas que podem ser adotadas para minimizar o risco de erros de medicação. Armazenamento e identificação adequados de medicamentos e materiais médicos; protocolos claros e detalhados (uniformizando os procedimentos e reduzindo suas complexidades); difusão de normas de prescrição, com recomendações claras; padronização dos medicamentos e doses a serem utilizadas; adoção de sistemas de prescrição eletrônica para evitar ambiguidade e ilegibilidade; garantia de acesso a informações técnicas sobre os medicamentos aos profissionais de saúde e adoção de rotinas de orientação de pacientes podem melhorar a segurança dos tratamentos implementados5.

O uso de medicamento é um processo multidisciplinar5. Implica na atuação de diversos profissionais, transmissão de ordens e transporte de materiais entre pessoas, que são potenciais variáveis de ocorrência de erros1. Assim, o desenvolvimento e a implantação de programas de prevenção de erros devem proporcionar a interação de todos os envolvidos, incluindo os pacientes5, para garantir um tratamento mais seguro e eficaz.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde lançou em 2013 o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), que visa reduzir a incidência desses eventos adversos no país. A Portaria define os conceitos relevantes na área da Segurança do Paciente, seguindo a taxonomia de Segurança do Paciente da OMS e as principais estratégias para implementação do PNSP: elaboração de protocolos; promoção de processos de capacitação; suporte à implementação de práticas seguras nos hospitais; e a criação de um sistema de notificação obrigatória de eventos adversos6.

Devido à importância do assunto, entre os dias 10 a 12 de abril, na cidade de Ouro Preto, o Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP) irá realizar o I Congresso Internacional sobre Segurança do Paciente ISMP Brasil / V Fórum Internacional sobre Segurança do Paciente: Erros de Medicação, cuja principal proposta consiste na promoção da implementação de iniciativas voltadas à segurança do paciente7.

Leia mais:

http://farmacovigilanciahospitalar.blogspot.com.br/2013/10/protocolos-basicos-de-seguranca-do.html

http://www.ismp-brasil.org/congresso/

Referências
 
1 Rosa MB, Perini E. Erros de medicação: Quem foi?Rev Assoc Med Bras 2003; 49(3): 335-41.
2 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Estrutura conceitual da classificação internacional sobre segurança do doente: Relatório técnico. Lisboa: WHO, 2011.
3 Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos. 2013.
4 Kohn L, Corrigan J, Donaldson M, editors. To Err Is Human: Building a Safer Health System. Washington (DC): National Academies Press; 2001; p.26-48.
5 Anacleto TA, Rosa MB, Neiva HM, Martins MAP. Farmácia Hospitalar: Erros de medicação. Pharmacia Brasileira – Janeiro/Fevereiro 2010.
6 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde lança Programa Nacional de Segurança do Paciente. Proqualis, 2013 [2014 mar; acessado em 2014mar 19]. Disponível em: http://proqualis.net/blog/archives/3028/43
7 ISMP Brasil – Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos. [2014 mar; acessado em 2014mar 19]. Disponível em – http://www.ismp-brasil.org/site/