Tuberculose: das descobertas de Koch aos desafios atuais

por Victor G. Batista Freitas

Em março de 1882, após um longo período de investigação, o médico bacteriologista Robert Koch descobriu o microrganismo responsável por causar a tuberculose (TB): o Mycobacterium tuberculosis, ou ainda, como ficou conhecido, o bacilo de Koch. A TB é uma doença infectocontagiosa que pode ser causada por diversos agentes etiológicos, sendo o M. tuberculosis a espécie mais prevalente e de maior relevância epidemiológica no Brasil. (1,2)

A transmissão da enfermidade ocorre pelas vias aéreas, por meio da inalação de bacilos suspensos no ar oriundos da tosse, espirro ou fala do indivíduo com exames positivos para TB. Quando alcançam os alvéolos, os bacilos podem se multiplicar e acarretar o desenvolvimento da TB pulmonar. Embora também exista a doença na forma extrapulmonar,  quando a infecção acomete sistemas e órgãos, como rins e meninges, é a forma pulmonar a principal responsável pela transmissão da micobactéria e adoecimento do indivíduo. (2)

Estima-se que uma pessoa com baciloscopia positiva, ou seja, com TB ativa (pulmonar ou laríngea) e sem tratamento, é capaz de infectar 10 a 15 pessoas de uma comunidade, em um período de 1 ano. Dessa forma, destaca-se a importância das medidas de combate à transmissão do bacilo. Evitar a contenção de aerossóis (partículas infectantes no ar) no ambiente é primordial e para isso, é recomendado que ao tossir, a pessoa deve cobrir a boca com o antebraço ou um lenço limpo. Ademais, deve-se manter os ambientes arejados e receptivos à luz natural, uma vez que, a micobactéria é sensível à luz solar e a circulação do ar  permite a dissipação dos bacilos infectantes. Vale ressaltar que os bacilos depositados em objetos, tais quais copos, lençóis, roupas e talheres, não possuem importância significativa na transmissão pois, como já mencionado, a principal e mais importante forma de transmissão se dá por meio da inalação de aerossóis produzidos por um indivíduo com TB ativa. (2)

Os sinais e sintomas da doença podem variar conforme as formas de apresentação da TB pulmonar, a saber: primária, secundária e miliar. No geral, os principais sintomas são: febre vespertina, sudorese noturna, emagrecimento, tosse persistente (por 3 semanas ou mais). A tosse é o sintoma mais recorrente na TB pulmonar, podendo ser tanto seca quanto produtiva (com escarro, na presença ou não de sangue). Logo, o Ministério da Saúde (MS) estabelece que os casos de tosse prolongada sem causa definida devem ser submetidos à investigação diagnóstica para TB. (2)

Somado aos sinais e sintomas, os exames laboratoriais devem ser realizados para identificar e diagnosticar a enfermidade. Nesse sentido, o MS preconiza o uso do exame microscópico direto, ou ainda, baciloscopia do escarro, por ser um método eficiente e capaz de detectar de 60% a 80% dos quadros de TB pulmonar em adultos. Para além deste, está disponível ainda o Teste Rápido Molecular para Tuberculose (TRM-TB), a Cultura e o Teste de Sensibilidade, e exames de diagnóstico por imagem, como a radiografia de tórax. (2)

Assim que diagnosticado, o indivíduo deve iniciar precocemente o tratamento da TB, a fim de alcançar a cura e evitar a disseminação da doença. Vale ressaltar que as pessoas mais próximas ao indivíduo com resultado positivo para TB também devem ser testadas. Quanto ao manejo terapêutico recomendado pelo MS, preconiza-se 2 fases em um período de 6 meses: a fase intensiva (ou de ataque) a ser realizada nos 2 primeiros meses e a fase de manutenção, nos últimos 4 meses. De modo geral, a primeira fase tem o foco principal na eliminação dos bacilos resistentes aos fármacos usados no tratamento e na redução da população bacilar localizada nas cavidades pulmonares. Devido às condições nutricionais dessa região, as micobactérias apresentam crescimento rápido e, assim, possuem elevado poder de contaminação. Entretanto, com a fase intensiva do tratamento, o risco de contágio é substancialmente reduzido. Já a segunda fase visa combater os bacilos latentes ou persistentes, que são aqueles que apresentam o crescimento lento ou intermitente, a depender do sítio de infecção (interior dos granulomas  ou dos macrófagos). A fase de manutenção é primordial para evitar o aparecimento de recidiva e o desenvolvimento de resistência da micobactéria aos fármacos usados no tratamento. (2)

Atualmente é adotado no Sistema Único de Saúde (SUS) como primeira linha de tratamento da TB o esquema terapêutico conhecido pelo acrônimo: RIPE (rifampicina + isoniazida + pirazinamida +  etambutol) – na fase intensiva, e RI (rifampicina + isoniazida) – fase de manutenção. A formulação da apresentação farmacêutica, de 4 fármacos ou 2 em um único medicamento, é efetiva pois contribui para que o paciente tenha maior adesão ao tratamento. Por outro lado, as reações adversas aos medicamentos (RAM) e as interações medicamentosas são fatores conflituosos que, quando não bem manejados junto ao paciente, culminam em desfechos clínicos negativos, abandono do tratamento e incidência de recidiva. (2)

As RAM são diversas, podendo ser leves, tais como: náusea e vômito, prurido, secreções (urina e suor) de cor avermelhada, febre, mudança do comportamento (insônia, euforia, sonolência), neuropatia periférica (sensação de formigamento), ou graves:  neurite óptica, rabdomiólise, trombocitopenia, anemia hemolítica, psicose, crise convulsiva e hepatotoxicidade, entre outras. Nesta perspectiva, é de extrema importância que os pacientes em uso de esquemas terapêuticos de TB sejam acompanhados e monitorados, clínico e laboratorialmente por uma equipe multiprofissional em regime de Tratamento Diretamente Observado (TDO), em que o profissional de saúde auxilia e orienta sobre o uso correto dos medicamentos, sendo essa uma oportunidade de reconhecimento para o  papel do profissional farmacêutico acerca de atuação no processo de escuta e orientação quanto ao uso racional dos medicamentos. (2)

Um outro fator que demanda atenção no cuidado de pacientes com TB é a resistência da micobactéria aos medicamentos. Conforme dados da Organização Mundial de Saúde (ONU), em 2022 cerca de 410 mil pessoas desenvolveram TB multirresistente ou resistente à rifampicina (TB-MDR/RR), dessas, apenas 2 em cada 5 pessoas tiveram acesso ao tratamento. Portanto, a eclosão de TB-MDR é uma crise de saúde pública que demanda atenção e combate não só dos profissionais de saúde, mas de toda sociedade. (3,4)

A tuberculose drogarresistente (TB-DR) pode ser classificada conforme à resistência a medicamentos em: monorresistência – resistente a apenas um fármaco antituberculoso, polirresistência – resistência a dois ou mais fármacos antituberculoso, resistente à rifampicina (RR-TB), multirresistente (MDR-TB) – resistência a pelos menos rifampicina e isoniazida,  e extensivamente resistente (XDR-TB) – resistência à rifampicina, isoniazida e a fluoroquinolona. O desenvolvimento de resistência ao tratamento de TB é uma das principais preocupações para combater a doença no mundo. A rifampicina é o principal fármaco de combate à micobactéria e também o principal alvo para o bacilo desenvolver resistência. No entanto, a resistência também pode estar relacionada aos outros fármacos do esquema. No caso de TB-DR é usado os medicamentos da segunda linha de tratamento, que possuem maior risco de efeitos adversos e demandam maior tempo de uso (mínimo 12 meses), e apresentam pior prognóstico. (2)

Nesse sentido, o tratamento recomendado pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para TB-DR consiste na associação de 4 fármacos (sem uso anterior e com alta probabilidade de sensibilidade), sendo 2 essenciais (com atividade bactericida e esterilizante) e 2 acompanhantes (adjuvantes que impedem o desenvolvimento de resistência aos medicamentos). Dentre os essenciais, temos os medicamentos fluoroquinolonas (levofloxacino e morxifloxacino), aminoglicosídeos injetáveis (estreptomicina, amicacina, capreomicina), linezolida e bedaquilina. O grupo dos fármacos acompanhantes engloba: etionamida/protionamida, cicloserina/terizidona, ácido paraminossalicílico (PAS), e com menor nível de evidência: clofazimina, amoxicilina/clavulanato de potássio e carbapenem. (2)

É tamanho o impacto dessa enfermidade no mundo que em 2022 adoeceram 10,6 milhões de pessoas com TB, levando à morte 1,3 milhões. Relacionado a isso, é importante entender que a TB é um agravo fortemente marcado por determinantes sociais. Embora seja possível prevenir e tratar essa doença, ela ainda atinge principalmente as populações situadas em áreas de baixo poder aquisitivo, perpetuando assim a desigualdade social por  condições inadequadas de habitação, falta de acesso aos  serviços de saúde e ao tratamento, baixa renda e escolaridade, entre tantos outros. As populações mais afetadas são indígenas, pessoas privadas de liberdade ou em situação de rua, e pessoas vivendo  com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Neste contexto, destaca-se que a co-infecção pelo  HIV e pela micobactéria é um fator predisponente para o aumento de mortalidade por TB, sendo ela a principal causa de morte entre pessoas infectadas pelo HIV. (4,5) 

Contudo, muito tem se feito para combater e eliminar a TB. No Brasil, logo após o nascimento é disponibilizado de forma gratuita no SUS para as crianças de até 5 anos incompletos, a vacina BCG (Bacillus Calmette-Guérin, em homenagem aos cientistas desenvolvedores do imunizante) contra as formas graves da TB. A imunização é uma das estratégias mais relevantes para prevenir e eliminar a doença. Desse modo, a conscientização  da importância de vacinar as crianças e a organização do Programa Nacional de Imunização (PNI) fez que, em 2022, a BCG atingisse uma cobertura nacional de 99,5%. Ademais, em 24 de março de 2023, em pleno Dia Mundial de Combate à Tuberculose, o MS lançou a Campanha Nacional de Combate à Tuberculose com o objetivo de eliminar a doença do país até 2035. Para tal, cabe a todos nós, comunidade, profissionais e gestores da área da saúde, participar das ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação em saúde para que esta meta seja  atingida. (6,7,8)

Referências bibliográficas: 

1- NEUFELD, P.M. Personagem da História da Saúde V: Robert Koch. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 45, n. 1, p. 4-8, 2019. DOI 10.21877/2448-3877.201900863. Disponível em: https://www.rbac.org.br/wp-content/uploads/2019/07/RBAC-vol-51-n%C2%BA-1-2019-edi%C3%A7%C3%A3o-completa-cor.pdf. Acesso em: 20 fev. 2024.

2-  BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de recomendações para o controle de tuberculose no Brasil. Ministério da Saúde, Brasília, 2019.

3- WHO, WORLD HEALTH ORGANIZATION.Tuberculosis Report. WHO, 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tuberculosis. Acesso em: 21 fev. 2024.

4- WHO, WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Tuberculosis Report. WHO, 2023. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/373828/9789240083851-eng.pdf?sequence=1. Acesso em: 21 fev. 2024.

5- DELFINO, F.M.; ARCÊNCIO, R.A.; NUNES, B.P. Determinantes sociais e mortalidade por tuberculose no Brasil: Estudo de revisão. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 45, n. 1, p. 228-241, 23 fev. 2024. DOI 10.22278/2318-2660.2021.v45.n1.a3479. Disponível em: https://repositorio.usp.br/directbitstream/ed98823d-7e4e-4ae1-baf8-9ec0a47c2e55/003106431.pdf. Acesso em: 20 fev. 2024.

6- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de Imunizações – Vacinações. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programa-nacional-de-imunizacoes-vacinacao. Acesso em: 21 fev. 2024.

7- FIOCRUZ, FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Estudo revela crescimento na cobertura vacinal. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/FIOCRUZ), 2023. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-revela-crescimento-na-cobertura-vacinal. Acesso em: 21 fev. 2024.

8- MINISTÉRIO DA SAÚDE.  Ministério da Saúde lança campanha de combate à tuberculose e reforça ações para eliminação da doença no Brasil. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/ministerio-da-saude-lanca-campanha-de-combate-a-tuberculose-e-reforca-acoes-para-eliminacao-da-doenca-no-brasil. Acesso em: 21 fev. 2024.

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