Desafios no tratamento da neuropatia periférica

Por: Uri Flegler Vieira-Machado

A neuropatia periférica, observada através de sintomas como dor, formigamento, dormência e fraqueza nas extremidades do corpo, está presente em uma variedade de doenças. Dentre esses sintomas, a dor neuropática destaca-se por sua prevalência em um terço dos pacientes, sendo apenas parcialmente aliviada através do tratamento. As principais causas da neuropatia periférica são: diabetes mellitus, doenças hereditárias, infecções, deficiência nutricional, abuso de álcool e fármacos, como os quimioterápicos. (1)

O mecanismo fisiopatológico da neuropatia periférica ainda não é compreendido em sua totalidade; no entanto, entende-se que o dano celular e a desmielinização (deterioração da bainha de mielina) das fibras nervosas devem estar relacionados com os sintomas observados. Enquanto as grandes fibras nervosas medeiam funções motoras e sensoriais, as pequenas fibras nervosas medeiam dor, temperatura e funções autonômicas (1). Desse modo, ainda que boa parte das causas sejam idiopáticas, ou seja, desconhecida, a dor neuropática e as alterações sensoriais características dessa disfunção parecem ser resultantes de lesões nas fibras nervosas. O diagnóstico da neuropatia é resultado da avaliação de parâmetros clínicos, associados a alguns testes neurológicos baseados em sensibilidade e estímulo dos nervos. 

Pacientes acometidos pela dor neuropática geralmente relatam hipersensibilidade mecânica e térmica. Nesse contexto, há dois tipos possíveis de hipersensibilidade: a alodinia, que é definida como dor em resposta a um estímulo não nociceptivo, ou seja, um estímulo que não causa dor em indivíduos sadios; e a hiperalgesia, que representa um aumento da sensibilidade à dor em resposta a um estímulo nociceptivo. A hiperalgesia térmica pode ser provocada devido ao frio ou ao calor (2). 

O manejo dos sintomas da neuropatia é um desafio, uma vez que os medicamentos disponíveis para tratamento são frequentemente insuficientes no alívio da dor – sua redução em 30% é um resultado clinicamente significativo. Desse modo, é comum a associação de duas medicações distintas visando o aumento do efeito benéfico e a redução de eventos adversos.  Como não há consenso em relação aos mecanismos da doença, os mecanismos de ação dos fármacos utilizados no tratamento não são bem estabelecidos. Alguns dos medicamentos utilizados no manejo da dor neuropática são: os ligantes α2δ dos canais de cálcio (e.g. pregabalina), inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (e. g. venlafaxina), analgésicos opioides (e.g. morfina) e terapia tópica com lidocaína e capsaicina (2,3).

Dado que a neuropatia periférica é a principal complicação do diabetes, a necessidade do alívio da dor neuropática é frequente. Pacientes com diabetes acometidos pela neuropatia possuem alto risco de ulceração nos pés e devem, portanto, examiná-los regularmente. A pregabalina, um potente ligante α2δ dos canais de cálcio, é aprovada pela agência reguladora de saúde estadunidense Food and Drug Administration (FDA) como primeira linha de tratamento para a dor neuropática diabética. No Brasil, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) não recomendou a  incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) do medicamento para o tratamento de dor neuropática, ressaltando-se o custo elevado do tratamento e a não superioridade à gabapentina – medicamento já disponível do SUS para o tratamento da dor crônica associada a neuropatia. (4,5)

Por outro lado, a pregabalina e a gabapentina se mostraram ineficazes no alívio dos sintomas decorrentes da neuropatia periférica induzida por quimioterapia, dependendo do agente antineoplásico em questão. Estudos realizados em camundongos sugerem que o lítio é capaz de prevenir e tratar a neuropatia induzida pelo paclitaxel, impedindo o dano morfológico das fibras nervosas. Além disso, o lítio não afetou a atividade antitumoral do paclitaxel nesse estudo (6). Visto que a neuropatia periférica é um fator dose-limitante – ou seja, que restringe a utilização dos quimioterápicos devido a ocorrência de efeitos adversos -, muitos pacientes são levados a interromper o tratamento quimioterápico, de modo que uma estratégia de prevenção com medicamentos como o lítio parece ser promissora. Contudo, um ensaio clínico randomizado demonstrou que a dose de 300mg do lítio não foi capaz de prevenir a neuropatia em pacientes com câncer de mama, sugerindo que fossem testadas doses distintas em estudos futuros (7,8). 

O dano neuronal causado pela quimioterapia depende de alguns fatores, como dose cumulativa e duração do tratamento. Além disso, a escolha do agente quimioterápico também influencia na resposta neuropática, de modo que o ajuste de doses ou substituição do medicamento podem interromper os sintomas da neuropatia periférica. Em alguns casos, a dor e a parestesia (formigamento) são cessados após o fim da quimioterapia. No entanto, a neuropatia induzida por quimioterapia é, em sua maior parte, apenas parcialmente reversível e pode ser permanente (9).

A neuropatia periférica é uma das doenças neurológicas mais comuns, de forma que o alívio dos sintomas é uma demanda frequente. Medidas não farmacológicas para a melhora dos sintomas incluem: higiene adequada dos pés, uso de calçados apropriados, perda de peso, fisioterapia e treino de marcha. Por fim, ainda há a necessidade de estudos que demonstrem uma maior eficácia em novos medicamentos propostos para o tratamento da neuropatia periférica.

Referências

1. Castelli, Gregory, Krishna M. Desai, and Rebecca E. Cantone. “Peripheral neuropathy: evaluation and differential diagnosis.” American family physician 102.12 (2020): 732-739. Acesso em: 18 abr. 2024. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33320513/

2. Baron, Ralf, Andreas Binder, and Gunnar Wasner. “Neuropathic pain: diagnosis, pathophysiological mechanisms, and treatment.” The Lancet Neurology 9.8 (2010): 807-819. Acesso em: 21 abr. 2024. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS1474-4422(10)70143-5/fulltext

3. Dworkin, Robert H., et al. “Recommendations for the pharmacological management of neuropathic pain: an overview and literature update.” Mayo Clinic Proceedings. Vol. 85. No. 3. Elsevier, 2010. Acesso em: 16 mai. 2024. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0025619611602851

4. Khdour, Maher R. “Treatment of diabetic peripheral neuropathy: a review.” Journal of Pharmacy and Pharmacology 72.7 (2020): 863-872. Acesso em: 22 abr. 2024. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32067247/ 

5. Relatório para a sociedade nº 271 – Pregabalina para o tratamento da dor neuropática e fibromialgia (2021). Acesso em: 22 abr. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2021/Sociedade/20210804_resoc271_pregabalina_dor_fibromialgia_final.pdf/view

6. Mo, Michelle, et al. “Prevention of paclitaxel-induced peripheral neuropathy by lithium pretreatment.” The FASEB Journal 26.11 (2012): 4696. Acesso em: 22 abr. 2024. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3475250/

7. Hu, Lang-Yue, et al. “Prevention and treatment for chemotherapy-induced peripheral neuropathy: therapies based on CIPN mechanisms.” Current neuropharmacology 17.2 (2019): 184-196. Acesso em: 22 abr. 2024. Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/content/ben/cn/2019/00000017/00000002/art00009#

8. Najafi, S., et al. “Lithium and preventing chemotherapy-induced peripheral neuropathy in breast cancer patients: a placebo-controlled randomized clinical trial.” Trials 22 (2021): 1-9. Acesso em: 17 mai. 2024. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1186/s13063-021-05800-w

9. Wolf, Sherry, et al. “Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: prevention and treatment strategies.” European journal of cancer 44.11 (2008): 1507-1515. Acesso em: 28 abr. 2024. Disponível em: https://ascpt.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1038/clpt.2011.115

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