Helena Sclauser (atualização: 07/05/2024)
Daniela RG Junqueira (texto original: 05/04/2013)
A dor se caracteriza como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a danos reais ou potenciais nos tecidos [1]. A dor experimentada durante o trabalho de parto tem origem em processos fisiológicos, como as contrações uterinas, a dilatação cervical e a pressão exercida pelo feto [1]; processos psicológicos, que envolvem a ansiedade da parturiente, seus medos e anseios; e também outros fatores, como o ambiente físico e cultural da gestante e sua confiança na assistência prestada.
Apesar da dor associada ao parto ter a função de sinalizar a hora do nascimento, sua sensação exacerbada pode repercutir negativamente no bem estar da parturiente e do feto. Por ser um potente estimulador do sistema respiratório, a dor pode levar a hiperventilação e, consequentemente, ao aumento de consumo de oxigênio [2]. Como resultado, esse processo pode causar alcalose respiratória e um desvio para a esquerda da curva de dissociação da oxihemoglobina materna, o que diminui a transferência de oxigênio da parturiente para o feto [2]. Além disso, dor, ansiedade e estresse durante o parto podem causar um aumento na liberação de catecolaminas, o que está associado a uma diminuição no fluxo sanguíneo uterino e ao aumento no débito cardíaco e pressão arterial [1]. Dessa forma, uma série de intervenções são propostas e se encontram disponíveis para ajudar a parturiente a lidar com a dor durante o trabalho de parto.
As estratégias disponíveis para o manejo da dor do parto podem ser agrupadas em intervenções não farmacológicas e intervenções farmacológicas. Ressalta-se que, atualmente, os serviços de saúde possuem o dever de proporcionar alívio da dor e do sofrimento para as parturientes – caso seja seu desejo [4]. O Ministério da Saúde (MS) recomenda que os métodos não farmacológicos devem ser oferecidos e utilizados pela parturiente antes da analgesia farmacológica, visto que são simples, de baixo custo, não invasivos e geralmente não possuem contraindicações ou provocam reações adversas [1]. No entanto, o MS também determina que a solicitação por alívio da dor através de medicamentos compreende indicação suficiente para sua utilização, exceto quando ocorre contraindicação médica para seu uso e após a realização de todos os métodos não farmacológicos disponíveis [1].
As intervenções não farmacológicas possuem caráter paliativo, ou seja, aliviam o sofrimento sem interrompê-lo completamente. Apesar disso, estas alternativas possuem inúmeras vantagens, dentre elas, interferir minimamente com o processo fisiológico do parto e serem métodos, comumente, não invasivos [1]. Incluem as técnicas de distração e relaxamento, movimento, bola, toque e massagem, acupressão, aplicação de frio ou calor, técnicas de relaxamento com respiração, banho de chuveiro, musicoterapia, aromaterapia, acupuntura, yoga, injeção de água estéril, hipnose, biofeedback, estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e imersão em água.
Dentre as intervenções não farmacológicas, a mais bem aceita é a imersão em água quente/morna. Essa intervenção não é capaz de acelerar o nascimento do bebê e não está relacionada com a diminuição de intervenções médicas, como parto vaginal assistido, porém, está associada à redução do uso de anestésicos durante o trabalho de parto [5]. Vários efeitos fisiológicos desse método ajudam a explicar o seu impacto benéfico em aliviar a dor do parto [2]. A imersão em água suficiente para cobrir o abdome da gestante permite uma maior facilidade na respiração e na mudança de posição da parturiente, visto que a pressão hidrostática torna a pressão intra-abdominal maior [1,2]. Ademais, a água permite que os tecidos pélvicos sejam mais flexíveis e elásticos, o que reduz a dor durante as contrações [2].
As intervenções farmacológicas são métodos restritos ao ambiente hospitalar, amplamente classificadas como sistêmicas e loco-regionais [1].
- Intervenções sistêmicas: caracterizam-se por seu efeito terapêutico rápido. Incluem métodos como a inalação de óxido nitroso e a administração de opioides;
- Intervenções loco-regionais: possuem dois dos métodos farmacológicos mais efetivos para o alívio da dor do parto. Incluem técnicas de anestesia peridural, raquidiana e raqui-peridural, além da opção da anestesia local.
Ressalta-se que existe uma distinção quanto aos conceitos de analgesia e anestesia e que esses não devem ser confundidos. Analgesia é o termo empregado para técnicas que possuem como objetivo a supressão parcial da dor [3]. A anestesia, por sua vez, é um método exclusivamente farmacológico que promove a perda total da sensibilidade do local, o que resulta na supressão total da dor [3]. É importante mencionar que sedativos e tranquilizantes, além de apresentarem risco de comprometimento fetal, não têm efeito analgésico e não devem ser utilizados para aliviar as dores do parto [4].
Uma dúvida comum para muitas gestantes que desejam receber tratamento farmacológico durante o trabalho de parto, é sobre qual é o melhor método para ser utilizado. A resposta é complexa e depende de diversos fatores, como o perfil psicossomático da parturiente, seus traços culturais, o sistema de saúde em que ela está inserida e o perfil dos profissionais encarregados da sua assistência [3]. Apesar disso, avaliando de forma geral as opções farmacológicas disponíveis, a anestesia peridural e a combinação de anestesia peridural com raquianestesia mostram-se mais efetivas para o controle da dor durante o parto e, por isso, existe uma maior recomendação para a utilização de tais métodos [2].
A analgesia inalatória, classificada como uma intervenção sistêmica, consiste na inspiração de óxido nitroso (50%) pela gestante [1]. O óxido nitroso pode fornecer para as parturientes que optam por evitar ou retardar a anestesia regional ou para aquelas que possuem contraindicações de uso de anestesia, um meio alternativo eficaz para o alívio rápido e não invasivo da dor, apresentando efeito terapêutico após um minuto da aplicação [1,5]. Apresenta alguns efeitos adversos maternos como: vômito, náusea, tonturas e sonolência [5].
O uso de opioides via intramuscular e/ou endovenosa é uma segunda opção de analgesia sistêmica. No Brasil, é comum o uso de petidina (cloridrato de petidina) e tramadol (cloridrato de tramadol) como opções terapêuticas [6]. Suas vantagens consistem na facilidade de administração, ampla disponibilidade e menor custo, todavia, seu uso promove um alívio limitado da dor, pois dois terços das pacientes relatam o retorno da dor moderada a intensa dentro de duas horas após a administração desses medicamentos[1,5]. Ademais, os opioides provocam reações adversas tanto para a parturiente (náuseas, vômitos, tontura e sedação) quanto para o bebê (depressão respiratória ao nascer e sonolência) [1].
A técnica de anestesia de parto, visa o controle da dor com o menor comprometimento possível das funções sensoriais e motoras da gestante [1,6]. Para isso, a menor concentração efetiva de anestesia deve ser administrada e a parturiente deve permanecer, preferencialmente, em movimento durante todo o trabalho de parto [1,6]. O bloqueio do nervo pudendo envolve a injeção de anestésico local por via transvaginal e costuma ser utilizado na segunda fase do trabalho de parto (período de expulsão) e como complemento da anestesia epidural [1,5]. Ele fornece anestesia ao períneo, vulva e parte inferior da vagina [5]. Embora raros, os riscos potenciais desse bloqueio incluem hematoma, infecção e danos nos nervos [5]. O bloqueio paracervical deixou de ser recomendado pelo MS, devido ao alto índice de bradicardia fetal [1].
A anestesia epidural ou peridural é uma técnica que consiste na aplicação de um anestésico local próximo a nervos que transmitem a dor, com o objetivo bloquear os impulsos nervosos responsáveis em transmitir o sofrimento do parto para o cérebro, portanto, o método impede que a dor seja processada [3]. Nesse tipo de procedimento, é introduzido um cateter entre as vértebras da coluna da parturiente até atingir o espaço peridural, onde é administrado o medicamento anestésico [3,5]. Como efeitos adversos mais comuns, essa anestesia pode provocar hipotensão, febre e retenção urinária na parturiente.
A peridural foi associada durante décadas com o aumento das chances de utilização de instrumentos para auxílio do parto vaginal (fórceps, espátulas) e realização de cesárea devido a sofrimento fetal. Uma revisão publicada na Cochrane (Anim-Somuah, et al, 2018) demonstrou taxas aumentadas de parto vaginal assistido ou parto cesáreo com uso da epidural, entretanto, esse efeito foi anulado quando os ensaios publicados antes de 2005 foram retirados da análise, o que se acredita ser atribuível ao desenvolvimento de técnicas modernas de anestesia [5, 8]. Dessa forma, atualmente, sabe-se que a epidural não possui relação com um aumento de chance de um parto vaginal assistido.
A anestesia raquidiana ou raquianestesia é mais comumente utilizada em partos cesáreos e envolve a administração de uma única injeção no espaço subaracnoideo, localizado na coluna vertebral [5]. Está associada a um alívio rápido da dor e uma imobilização motora materna maior [5]. Quanto ao uso da anestesia combinada, a raqui-peridural, o intuito é preservar as características positivas de cada técnica e diminuir os efeitos adversos provocados por elas [4, 5]. Dessa forma, o alívio mais rápido da dor é obtido com a combinação de anestesia peridural com raquianestesia, em comparação com a peridural tradicional ou em baixas doses. Ademais, a anestesia combinada proporciona uma mobilização materna melhor em comparação com à raquianestesia. Ela também promove uma dilatação mais rápida e completa do colo uterino, abreviando o trabalho de parto [4,5].
Diante de todas essas opções, é importante que o manejo da dor durante o trabalho de parto seja discutido ao longo das consultas do pré-natal, onde deve ser apresentado à gestante a efetividade e os riscos associados às diversas abordagens de tratamento da dor, incluindo intervenções farmacológicas e não farmacológicas, a fim de compreender as expectativas e prioridades da parturiente [5]. Reitera-se que cada experiência de parto é única e que as técnicas para o alívio da dor devem se encaixar ao contexto cultural, às expectativas da parturiente e ao ambiente no qual o parto está sendo realizado.
Referências:
- BRASIL. Ministério da Saúde. Diretriz nacional de assistência ao parto normal: versão preliminar. Brasília, 2022. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/diretriz_assistencia_parto_normal.pdf. Acesso em: 12 dez. 2023.
- Czech, Iwona et al. Pharmacological and Non-Pharmacological Methods of Labour Pain Relief-Establishment of Effectiveness and Comparison. International journal of environmental research and public health v. 15,12 2792. 9 Dec. 2018, doi:10.3390/ijerph15122792
- CUNHA, Alfredo. Analgesia e anestesia no trabalho de parto e parto. Femina, Rio de Janeiro, v 38, n 11, nov. 2010. Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2010/v38n11/a599-606.pdf. Acesso em: 12 dez. 2023
- FREITAS, Juliana; MEINBERG, Sofia. Analgesia de parto: bloqueios locorregionais e analgesia sistêmica. Revista Médica de Minas Gerais, Belo Horizonte, v 19, jul-set 2009. Disponível em: https://rmmg.org/artigo/detalhes/1229. Acesso em: 12 dez. 2023.
- Smith, Andrew et al. Pain Management in Labor. American family physician v. 103,6 (2021): 355-364. Disponível em:https://www.aafp.org/pubs/afp/issues/2021/0315/p355.html. Acesso em: 12 dez. 2023.
- BRASIL. Secretaria do Estado de Saúde. Portaria SES-DF Nº 1123 de 05 de novembro de 2021. Protocolo de analgesia de parto vaginal. Diário Oficial do Distrito Federal. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/87400/Protocolo+de+Analgesia+de+Parto+Vaginal.pdf/7de4325c-4a98-2ef0-203e-53c6f96dc346?t=1648646676015. Acesso em: 22 dez. 2023.
- KOYYALAMUDI, Veerandra, et al. New labor pain treatment options. Springer Link, v 20, n 11, jan. 2016. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11916-016-0543-2. Acesso em: 16 dez. 2023.
- Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, et al. Epidural versus nonepidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018(5):CD000331.
Jones L, Othman M, Dowswell T, Alfirevic Z, Gates S, Newburn M, Jordan S, Lavender T, Neilson JP. Pain management for women in labour: an overview of systematic reviews. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 3. Art. No.: CD009234. DOI: 10.1002/14651858.CD009234.pub2.
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