Prescrição farmacêutica: é preciso abandonar a discussão classista (Editorial)

por Edson Perini

Fonte: Google imagens

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A classe farmacêutica, sem dúvida, deu um grande passo: saiu a campo de peito aberto. Isso nós não podemos negar, para uma categoria profissional que se encontrava (e continua) muito distante do paciente. Declarar-se apto a prescrever é uma grande responsabilidade, e revela coragem para assumir algo que na prática já acontece nas farmácias de todo o país, sem contudo ter um documento comprobatório e responsabilizador da atitude profissional. A indicação de medicamentos isentos de prescrição é fato comum nas farmácias brasileiras (e mesmo alguns que necessitam de prescrição podem ser incluídos nesse rol), e pior, feita por profissional sem a formação que o farmacêutico tem. A guerra velada entre farmacêuticos e balconistas ou técnicos de farmácia é insana e o ato da prescrição poderia ser mais um passo na direção de trazer ao farmacêutico maior responsabilidade sobre a determinação do que se vende, quando e para quem.

Porém, olhando as farmácias que conheço em minha rota de vida, tenho grandes dúvidas sobre como e se isso vai acontecer. Motivos não me faltam: os donos de farmácias não vão querer; eles não vão contratar farmacêuticos para isso e não vão tirar os que têm contratados de seus afazeres burocráticos; os farmacêuticos estão acomodados em suas atividades administrativas; eles se sentem profissionais inferiorizados na equipe de saúde por serem de formação excessivamente tecnicista para esse exercício; enfim, poderíamos alongar a conversa… Mas vou fazer algumas perguntas: essas prescrições serão realizadas segundo a demanda do cliente pelo seu medicamento de preferência ou por meio de uma consulta? As consultas serão realizadas no balcão ou as farmácias adotarão consultórios farmacêuticos? As Faculdades de Farmácias desse país estão preparadas para mudar alguns detalhes importantes da formação hoje praticada para evoluir o trabalho do profissional para essa área?

Afinal, vejo farmacêuticos e alunos batendo no peito e bradar – sabemos muito mais farmacologia que os médicos, porque não podemos prescrever? Talvez eles tenham razão de dizer que sabem mais farmacologia, porém a prescrição é o exercício da farmacoterapia, que tem por base conhecimentos sobre as doenças. E o ensino farmacêutico nas últimas décadas se voltou demasiadamente para os aspectos tecnológicos do medicamento, deixando fragilidades no estudo do conhecimento e reconhecimento das patologias, ainda que ditas menores. O farmacêutico atual tem razões para dizer que conhece muito o medicamento, mas precisa se preparar para o exercício da prescrição – inicialmente se conscientizando de que a prescrição não é um simples pedaço de papel assinado. Ela é um documento legal por meio do qual um profissional se responsabiliza pelas intervenções que uma pessoa deve realizar sobre seu estado de saúde.

Essa responsabilidade é de mais fácil visualização em certas atividades que o farmacêutico tem aos poucos desenvolvido e que são de extrema importância para os pacientes. Os médicos brasileiros ainda não conheçam ou não estão seguros do potencial de responsabilidade compartilhada que tais atividades trazem, e não de disputa de mercado de pacientes, o que é ridículo. Falo sobre a atividade clínica em ambientes hospitalares ou outros, como Equipes de Saúde da Família, ambulatórios e espaços de atenção secundária especializada do SUS, como os centros de atenção ao paciente de doença mental. Nesses locais a prescrição farmacêutica, ou a renovação de prescrição de tratamentos crônicos, quando se reavalia a posologia, as associações, ou outros detalhes do tratamento prolongado pelo acompanhamento sistemático, pode ser um ganho para os pacientes (afinal, não é isso que interessa?). Falo sobre a filosofia de trabalho da Atenção Farmacêutica, segundo a qual nenhum tratamento é instituído sem a perspectiva de um objetivo bem determinado que algum profissional deve atuar no cuidado para alcança-lo, para saber se estão sendo atingidos ou não, e que atitudes devem ser tomadas nesse percurso.

Enfim, há coisas acontecendo na profissão farmacêutica e elas devem ser discutidas para serem revertidas em maior responsabilidade (e direitos, por suposto) para o profissional, e a prescrição pode ser uma delas. Não sei se a melhor, ou se a mais oportuna, dado que temos tantas questões para mudar em nossa relação com a sociedade e com as pessoas que utilizam medicamentos. Talvez coisas mais urgentes fossem necessárias, mas não adianta discutir isso agora, pois não as fizemos no tempo necessário. Agora a prescrição é um ato colocado para a sociedade e devemos discuti-lo, não com a baixeza da arrogância e dos interesses classistas, mas com a clarividência que a sociedade espera de profissionais a quem ela outorgou um diploma para cuidar de seus problemas de saúde, e não de suas possibilidades financeiras de custear os tratamentos.

Os farmacêuticos precisam urgentemente compreender um ponto crucial nessa questão para não sustentar o debate em terra fofa: para prescrever não basta ser bom em farmacologia. É preciso mais do que isso. É preciso transcender a relação direta entre fármaco e enfermidade. Se assim fosse, bastaria criar um manual escrito em tabela n por n: nas colunas os medicamentos e nas linhas as doenças. Não é assim que a coisa funciona, razão pela qual a clínica não é uma ciência exata. E os médicos necessitam compreender que não são deuses detentores de todo o conhecimento e direito, e que seus direitos terminam quando os interesses maiores dos pacientes entram em cena. É o que penso sobre o assunto, no momento! E é por isso que, na quarta-feira, dia 30 de outubro de 2013, às 17 horas, o Cemed promoverá um debate sobre o assunto com a Profa Angelita Cristine de Melo, assessora do Conselho Federal de Farmácia.

26 pensamentos sobre “Prescrição farmacêutica: é preciso abandonar a discussão classista (Editorial)

  1. Prezado professor Edson ,

    Seu post sobre a prescrição farmacêutica é certamente a opinião mais sensata que já ouvi do assunto.

    Sou sua ex- aluna e há 12 anos trabalho no serviço público , concordo plenamente que o farmacêutico ainda tem outros objetivos a alcançar , como o desenvolvimento de uma relação de confiança com o usuário.

    Vejo a possibilidade de prescrição do farmacêutico como um interesse em suprir a falta de cumprimento de carga horária e portanto , de atendimento dos profissionais médicos aos seus pacientes , bem como a facilitação de desenvolvimentos de políticas públicas questionáveis. Assim como ocorre com o enfermeiro , o farmacêutico corre o risco de se tornar apenas um transcritor de receitas no sistema público e deixar de exercer verdadeiramente seu papel de profissional de saúde dentro de uma equipe multidisciplinar , como deveria ocorrer.

    • Pois é, Elise, o tema é sério. Nossa classe já perdeu muitas oportunidades, na história recente, de se posicionar com maior seriedade junto a sociedade. Ficamos tempo demais com aquela coisa de ‘dar nome a farmácia’, transformando-a em um ‘bico’, uma atividade secundária, de menor importância. E assim abrimos a guarda para a construção de um comércio farmacêutico como essa ‘coisa’ que está ai. Não podemos agora deixar a prescrição se transformar em mais um calvário para a categoria. Melhor não fazer se for para fazer mal feito, de forma irresponsável. Mas eu sou um otimista (não sei se isso é bom ou ruim) e acredito nas pessoas – e no pessoal mais jovem. Se quiser, faz.

    • Vejo em tudo isso a necessidade premente da formação (capacitação e habilitação) e ainda o espaço físico de atuação do farmacêutico clínico, tanto em políticas públicas quanto no setor privado, creio que no momento se faz necessário a defesa do consultório farmacêutico para as patologias ditas menores..e o controle de doenças crônicas como diabetes e hipertensão, com credenciamento pelo SUS e abertura de convênios médicos para o procedimento, “é hora de sair do armário de medicamentos controlados…”

  2. É bastante oportuno as considerações sobre o ato de prescrição por farmacêuticos. Já enviei as minhas preocupações ao CFF ( sem reposta até o momento). Em resumo, acredito ser importante analisar a expansão dos cursos de Farmácia ( + 250), a grande maioria precários e não capacitam a exercer a prescrição farmacêutica, como foi bem colocado, não basta os conhecimentos de Farmacologia. Neste sentido, os cursos deveriam possibilitar a formação do Farmacêutico Clínico para compartilhar responsabilidades com outros Colegas da Saúde nas Farmácias Hospitalares e nas Clínicas, sem complexo de inferioridade, principalmente no relacionamento com os médicos. Politicamente, é importante ficar atento ao Governo Federal que para combater a não adesão da classe médica ao programa marqueteiro e eleitoral “MAIS MÈDICOS” , utiliza a prescrição farmacêutica como arma. Como já foi dito, os farmacêuticos devem agir com grandeza e sem corporativismo unir a outros Profissionais de Saúde na luta por programa do tipo MAIS SAÚDE para população brasileira.

    • Caro Roberto. Essa expansão dos cursos, no meu entendimento, só não é criminosa porque não prevista no código penal ou civil ou qualquer outro instrumento. A política de expansão das universidades privadas, principalmente, sem controle do estado sobre onde, como e em que condições precisamos de cursos superiores, e não apenas de farmácia, gerou um monstro e quem alimenta o ‘bicho’ são aqueles que são para ele atraídos e pagam suas contas para depois ter um diploma de segunda categoria na mão, com formação questionável para o exercício da profissão. Eu vejo o programa Mais Médicos com uma sensação paradoxal: por um lado como um tapa de luva em tudo e na classe médica que muito esbraveja mas não quer sair do conforto de seus consultórios, com todo o equipamento para fazer qualquer análise e etc e tal. Enfrentar condições adversas de exercer a profissão é desafio de todas elas em um país cruel como o nosso – é difícil o advogado fazer justiça em um pa´si como este, assim como é difícil o carpinteiro fazer um bom trabalho sem poder ter as suas melhores ferramentas. E como diz meu irmão, médico, esse país precisa ter menos doentes, e não mais médicos. Um país em que os políticos e empresários são insaciáveis jamais fará justiça social sem quebradeira nas ruas, infelizmente. Mas, por outro lado, precisamos sim ter médicos nos locais, e se os nossos não querem ir, que venham os de fora. Não gosto de saber que as pessoas não conseguem consultar um médico simplesmente porque inexistem perto delas. E ai, nesse ponto, precisamos sim de mais farmacêuticos, psicólogos, fisioterapeutas, etc, etc, etc…

      • Perfeito, os desafios devem enfrentados por todos Profissionais, mesmo em condições desfavoráveis. Quanto ao programa “Mais Médicos, as minhas restrições políticas são em relação ao Governo Federal, mas concordo que com seu irmão ( meu irmão era médico de família) que é Mais Saúde e mais Profissionais de Saúde. Trata-se de fato bem conhecido, que o Governo está agora jogando eleitoreiramente com o Ministro Padilha ao Governo Paulista. Abraços

    • Ola Roberto. Concordo com a primeira parte de sua mensagem, mas não ficou claro para mim a questão do Governo Federal. A decisão foi via Resolução do CFF e não do GV, portanto não entendo a sua colocação quanto ao uso da prescrição como uma arma. Quanto ao programa mais Médicos, sou a favor, não acho eleitoreiro e na verdade entendi como um gesto de coragem de enfrentamento a uma questão que todos nós da área de saúde pública sabemos que é real, ou seja a falta de médicos em alguns lugares. E veja, não é preciso ir para os confins do Brasil, em Ribeirão Preto, altíssima renda, existem UBS mais afastadas em que se tem dificuldade para que os médicos aceitem ir….Abs

      • Olá Vania. A embora a decisão da prescrição farmacêutica foi via CFF, o governo utiliza como ” arma política” para combater a classe médica mais conversadora que é contra ao programa ” Mais Médicos” e está utilizando eleitoreiramente para lançar a candidatura do ministro Padilha ao governo paulista. Concordo que o problema é de Saúde Pública em todo Brasil, não falta só médicos, mas também outros profissionais de Saúde, como condições materiais de trabalho em muitos locais,. Abs

  3. Intrigante não questionarmos que os enfermeiros, nutricionistas e outros profissionais não médicos prescrevem sem o mesmo conhecimento profundo em farmacologia ou farmacoterapia que os farmacêuticos possuem. No Brasil, notadamente há nessa classe profissional dos farmacêuticos, sobretudo nos grupos mais mais tradicionais uma resistência para avançar nas práticas clínicas, distintamente de outras profissões. Outros profissionais seguiram as diretrizes da OMS em Alma-Ata, na década de 1970, vem expandindo e reestruturando suas práticas para ampliar seus vínculos com os pacientes/usuários de serviços. Compreenderam que atenção a saúde direta ao paciente não podia se restringir a atenção médica, pois esta não seria suficiente para dar conta da integralidade das necessidades da saúde. Os farmacêuticos, porém permaneceram majoritariamente focados no medicamento, sem redefinir seus vínculos e papéis na atenção direta aos pacientes/usuários. A atenção farmacêutica por exemplo vem sendo debatida há pelo menos 13 anos no Brasil, e não é realidade em muitos espaços acadêmicos ou de prática no país. O engraçado é que, como diversos movimentos históricos na profissão mostram, quando somos chamados a redefinir e reestruturar nossos atos produtivos na saúde, nos super-especializamos no conhecimento do medicamento, mas não conseguimos atravessar essa fronteira que nos separa dos pacientes (pessoas que servimos). Certamente, por essa razão que quase sempre os farmacêuticos não são vistos como sujeitos essenciais na produção da saúde, mas mera formalidade na dispensação de medicamentos. É uma pena, pelos farmacêuticos e mais ainda pelos pacientes. Mas acredito que isso será superado, só levará mais tempo que esperávamos: resistências culturais e outros vieses grupais não são vencidos da noite para o dia!

  4. Querido amigo Edson. Sempre bom poder ter contato com as suas análises tão lúcidas sobre as questões farmacêuticas. Eu adoraria ter uma convivência mais próxima com você, pois sei que sempre aprenderia mais e mais. Acredito que a questão da prescrição farmacêutica, é uma carta de intenções da categoria farmacêutica, ou seja, sabemos que sua implantação é difícil e corremos sérios riscos no processo, mas talvez, quem sabe, seja uma força motriz para alavancar mudanças (assim como você sou uma otimista). Tivemos em Ribeirão Preto, um bate-papo com os alunos a respeito da Resolução e acredito que muitos ajustes ainda serão necessários para que efetivamente estejamos envolvidos com o usuário, sem nos escondermos atrás de balcões e papeladas. Não tenho dúvida alguma da necessidade de discutir a nossa formação, o que já fazemos a muito tempo, mas talvez agora sejamos um pouco mais ouvidos (esperança é a última que morre, diz o ditado). Acredito que seja o momento de debatermos e muito o assunto, e pelas respostas que vi no blog, as contribuições dos colegas tem sido de altíssima qualidade.
    Abs

    • Olá Vania, Realmente, a questão está aberta para novas discussões e parabéns pela sua contribuição de qualidade. Abs

  5. A prescrição farmacêuticas, e mais provocações necessárias…

    Olá Prof. Edson e CEMED!

    Fico muito feliz pela oportunidade criada pelo espaço para a problematização da questão da “prescrição farmacêutica” e todas as suas implicações para o escopo profissional do farmacêutico.

    Sei que a questão da prescrição farmacêutica já é algo envolto em muitas coisas a se considerar, mas mesmo assim, gostaria de trazer mais algumas provocações/problematizações para o debate.

    Em uma das reportagens televisivas relacionadas à prescrição farmacêutica, vi um representante de Conselho Regional de Farmácia que trouxe uma questão que há tempos não sai da minha cabeça… O profissional disse algo do tipo:

    “- É importante que o profissional farmacêutico ocupe a sua atribuição de profissional mais próximo ao paciente, de modo que o usuário recorra à farmácia como primeiro contato com o sistema de saúde. Consideramos assim, que o profissional farmacêutico têm papel fundamental na Atenção Primária a Saúde.”

    Devo dizer, que a fala foi algo que me preocupou bastante, o que tentarei explicar o porque…

    Ressalto, que fico muito feliz que o profissional farmacêutico de algum modo tenha se voltado para considerar com mais atenção a questão da saúde dos cidadãos brasileiros, tema que infelizmente ainda é muito negligenciado nos serviços de saúde e mesmo em nossa formação. Entretanto, há de se considerar que uma modificação deste porte gera impactos múltiplos, e gostaria de problematizar alguns pontos que me instigaram, e que servem para mim como analisadores de uma visão mais geral.

    O que seria a Atenção Primária ou Básica em Saúde?

    Quando uma fala de um representante de classe, deste teor, é colocada em um meio de comunicação de massa, devo dizer que provavelmente já apresenta um acúmulo e um respaldo mais estruturado por parte dos profissionais farmacêuticos. E quando, ao ouvirmos tal colocação, a associamos facilmente com o cotidiano do profissional farmacêutico no meio varejista, devo dizer que nos defrontamos com um fenômeno que já vem gerando uma duplicidade que ao meu ver é muito preocupante para o sistema de saúde brasileiro.

    Digo duplicidade, pois vejo que o setor farmacêutico, principalmente o varejista, ainda apresenta um descolamento importante das políticas públicas de saúde (mesmo se considerarmos o “Aqui tem Farmácia Popular”).

    Quando vemos um representante farmacêutico apresentando esta fala, fico preocupado com o que os profissionais farmacêuticos de uma maneira geral consideram como “Atenção Primária ou Básica em Saúde”.

    Infelizmente, há de se ressaltar, que o profissional farmacêutico do meio varejista ainda se encontra muito desconectado não só das ações de prevenção e promoção da saúde relacionadas à Atenção Básica, como também se encontra distante da possibilidade da construção de Projetos Terapêuticos multiprofissionais, e de uma clínica e cuidado mais abrangentes em relação ao usuário. E devo dizer, que tais pontos não são considerados com grande preocupação nem pela legislação, nem por grande parte dos profissionais farmacêuticos quando tratam do debate.

    E, ainda há de se ressaltar, que além de desconectado do acúmulo na área no Brasil, nem ao menos vemos um problematização mais profunda a respeito da farmácia varejista e seus entraves para que seja considerada efetivamente um serviço de saúde, como lembrado pelo Prof. Edson em alguns pontos.

    Segundo… Qual o impacto da legislação para o profissional farmacêutico do serviço público de saúde?

    Devo dizer, que infelizmente, mais uma vez vejo uma legislação que vem trazendo outra duplicidade que já é comum no meio farmacêutico. Quando o representante do Conselho da categoria trata da farmácia varejista como ponto de atenção básica, além de desconectar toda um produção e estruturação de um campo de políticas de saúde, ainda desconsidera fortemente a “Assistência Farmacêutica Básica”, relacionada com farmacêuticos que trabalham em postos de saúde, farmácias regionalizadas e etc.

    Ressalto, que ao trazer tal desconsideração, não o faço por uma questão de despeito, mas por uma questão dos impactos que esta gera na estruturação da Assistência Farmacêutica Pública Brasileira.

    Por exemplo, se considerarmos a legislação de antibióticos vigente, boa parte de suas descrições em relação ao sistema público de saúde são excessivamente genéricas. O SNGPC é voltado para o sistema privado e farmácias populares, as farmácias públicas de postos de saúde ou regionalizadas não tem ao menos uma consideração de como deve ser realizado o controle dos medicamentos… O que dificulta, ou ao menos não impulsionam a sua implementação, e que indiretamente geram uma dificuldade para que a própria Assistência Farmacêutica Pública se estruture.

    E tal situação se repete nesta legislação, que apesar de abrir a possibilidade da renovação de receitas segundo regulamentações específicas, ainda foca na prescrição farmacêutica em uma realidade muito descolada da Assistência Farmacêutica Pública, que apesar de minoritária, deve ser considerada devido ao grande impacto e produção de dispositivos importantes para com o cuidado da saúde do brasileiro.

    E ressalto este ponto, não a fim de manter mais equilibrada uma dicotomia, mas com o objetivo de trazer uma problematização que necessita ser enfrentada, uma política de assistência farmacêutica não privada ou pública, mas de estado, na qual o ente jurídico fique submetido à saúde dos usuários*.

    Se prescrição é encarada como o meio para uma maior proximidade do usuário… O profissional farmacêutico, não perdeu algo pelo caminho?

    Sou farmacêutico de um posto de saúde, e fico muito preocupado de não ver no meio farmacêutico discussões relacionadas com dispositivos tão importantes para o cuidado do usuário, que não prescindem da prescrição.

    A participação do profissional farmacêutico na estruturação de projetos terapêuticos multiprofissionais em unidades de saúde, é muito importante para que a terapia e o cuidado para com o usuário se efetive, e para que a própria intervenção do farmacêutico ganhe potência.

    E devo dizer, que o cuidado para com o usuário muitas, e muitas vezes (quantidade não repetida por acaso), necessita de que o paciente não seja visto apenas pautado por conhecimentos biomédicos, mas como um sujeito, com dimensões sociais diretamente relacionadas com seu estado de saúde, com desejos, interesses, busca de autonomia.

    Sendo que, inclusive, uma intervenção que cada vez é mais importante nos serviços de saúde, é pautada na “desmedicalização da vida”**. Tal consideração é vital em todos os serviços de saúde e facilmente visível na “saúde mental”!

    Assim… Me pergunto. Como nós, farmacêuticos, apostamos que a saúde seja produzida, se para muitos a prescrição é uma tábua de salvação para que o profissional seja consagrado e se vincule ao usuário? No que realmente o profissional farmacêutico pode contribuir para os usuários, se para muitos, ainda hoje, cuidado para com a saúde é igual a prescrição e a medicamentos?

    ……………………….
    *Obs.: há vários marcos regulatórios para a Assistência Farmacêutica Pública, assim como programas importantes, como o “Qualifar”. Mas neste momento tentei focar no movimento que importante que vejo representado pela legislação relacionada à prescrição farmacêutica.

    ** Quando toco na desmedicalização da vida, não defendo qualquer criminalização da utilização de medicamentos. A medicalização é um fenômeno que não se refere à uma dicotomia de utilização de medicamentos ou não, e que mereceria um detalhamento maior, que não pretendo neste texto.

    ………………………..

    Assim, de qualquer modo, muito obrigado por esta abertura para discussão! Me desculpem se me delonguei demais…

    Espero que nos vejamos no dia 30!

    Abraços!

  6. Grande Edson. Como é bom ver luz em algum caminho.. Queria contribuir com algumas opiniões, se me permitir. Aceito, acato e assino com você aa sua avaliação. E também não quero fazer nenhum julgamento aos nobres colegas que lutararm pela prescrição e pelos que a defendem. Vou tentar ir um pouco mais fundo. Acho que a criatura matou o criador. Nós fizemos os medicamentos e hoje somos presos a ele. Daí a avalaição tecnicista do currículo, que não reflete nada mais do que a hegemonia desse modelo onde o produto é mais importante que o cuidado. Senão vejamos: Nossa Política Nacional é de … Medicamentos e não uma Política Farmacêutica Nacional, como preconiza a OMS. E não adianta defender a Política Nacional de Assistência Farmacêutica porque ela não é executiva – é do CNS. Assim, ainda com vínculo, a participação social não é capaz de fazer o Estado mudar o rumo do porcesso de assistência. O Departamento de MS que cuida disso (DAF), está vinculado a uma Secretaria de Insumos estratégicos – de novo o produto e não o cuidado. Na prática a assistência direta ao cidadão, no viés clínico é muito difícil no perfil de farmácias/drogarias que temos, com o modelo comercial na ponta.
    Entendo que sem o aprofundamento da discussão do modelo de entrega do produto, e por consequência da aquisição, vai ser difícil discutir uma aproximação maior do usuário no lugar de maior consumo desse “bem social”.
    Quero abordar mais três assuntos e já o fiz com nossa colega Vânia dos Santos.
    O primeiro é o da questão do MIP. Ora, se o FDA, a EMEA, a agência Japonesa, e a ANVISA classificam produtos como MIP, qual a lógica de os prescrever ? Inibir a automedicação ? Mas temos claros efetivamente qual é o mal real que os MIPs fazem ? Ou serão aqueles tarjados indicados inescrupulosamente por outros que tanto agridem a população em geral. E nem quero entrar no mérito da ausência da assistência em saúde de maneira geral, que sabemos ser outro assunto importantíssimo. Sabemos enfim, que a população precisa ser melhor cuidada, educada para também auto cuidar-se. Esse aliás, é um dos pilares da Atenção Farmacêutica, o do compromisso mútuo entre farmacêutico e usuário de medicamentos.
    O segundo é o da relaçao moral da prescrição de medicamentos no ambiente em que estes são vendidos, sustentando o modelo comercial. A divisão da medicina/farmácia ocorreu ao mesmo tempo em que se proibiu o médico de auferir ganhos nessa prática. Então incluo no rol de perguntas: Algum farmacêutico vai prescrever algum medicamento que não tenha na sua prateleira, ainda que eticamente ele esteja convencido que o melhor produto para aquele “mal menor” seja o melhor ? A legitimação de algo que já existe não pode sublimar esse diálogo. Prendam os inescrupulosos. Não podemos vender o que prescrevemos. É flagrante o conflito de interesses e o cidadão não ficará com a melhor parte.
    E o último é de estratégia. Estamos num momento ímpar na discussão do papel corporativista do médico na nossa sociedade. É fato que as entidades de classe médicas (incluindo os conselhos profissionais – que não deveríam ser classistas e sim defender a sociedade pelo seu próprio conceito), se perderam no debate da necessidade da população e dos seus próprios interesses individuais. No meio dessa crise, nós a abafamos e colocamos em pauta um tema que ao final, é sim de menor relevância para o momento, com um comportamento até parecido com aqueles que criticamos, desviando a atenção de um processo de resgate de cidadania e direitos de todos que é o cuidado à saúde integral com profissionais em quantidade suficiente para o atendimento das pessoas nos lugares mais longínquos.
    Enfim, caro amigo, a quem aprendi a prezar pelas palavras, acho que devemos ampliar esse debate em alto nível, mas acredito que o resgate do papel social do farmacêutico passa pela mudança do modelo do cuidado ou da sua auência, da formação.profissional e da capacidade de montarmos estraatégias definidas em nossas entidades de defesa do povo. A partir disso, o profissional será valorizado pelo seu conhecimento nato. Precisamos ressuscitar o criador, ou só sobrará a criatura e as pessoas acreditarão que ela é a responsável pela cura dos seus males. Obrigado pela oportunidade.

  7. Estimado Professor Edison, muito pertinente a matéria e a análise, o contexto da visão classista apresenta limitação para compreensão o impacto e a responsabilização que o tema encerra, prescrição farmacêutica ou prescrição de cuidados farmacêuticos,apresentam dimensões que mesmo excludentes podemos construir a integralidade dessas ações.A perspectiva da prescrição farmacêutica , guarda em si,ainda a visão medicalizante , que impregna todas as profissões da saúde,ainda influencia a população que se dirige ao estabelecimento farmacêutico em busca de medicamentos e o profissional farmacêutico que deveria mediar essa ação , ainda se posiciona como “balconista” de nível superior , não profissionaliza sua ação volta para o cliente -paciente,no intuito de estabelecer vinculo e prestando cuidados, termo esse que incorporamos em nosso discurso, sem nos apropriarmos de sua dimensão epistemológica e social. Neste contexto me pergunto , se ainda não conseguimos qualificar a dispensação, como estabelecer plano de cuidados, monitoramento e seguimento farmacoterapêutico de nosso pacientes-clientes.

  8. Muito bom que o espaço do Blog de Cemed tenha permito uma discussão tão ampla e profunda sobre o assunto. Sinal que o tema suscita muita coisa ‘atravessada’ na garganta, esperando o momento. Eu só levantei a bola e muitos artilheiros apareceram para fazer muitos gols… fiquei feliz.

    Mas vou tentar aqui pinçar uma ou outra coisa para não ficar respondendo a cada um. Em primeiro lugar, Vânia, há tempos esperava vc por essa banda virtual. Sua lucidez faz falta. Acho que vc pegou bem o espírito do texto e traduziu de uma forma que eu mesmo não consegui dar ao texto: vejo a decisão da prescrição como uma carta de intenções, sim. A política serve para isso – pegar questões para as quais a gente não está preparado, ou estamos no passar dos anos escamoteado a decisão de fazer, e colocar em pauta. E ai não nos resta outra coisa senão fazer. Vejo isso na questão das cotas nas universidades. Se o governo não tomasse essa decisão, daqui a cem anos estaríamos aqui discutindo entre uma cerveja e outra, num boteco sujo, que o ensino público fundamental tem que melhorar. Agora, ou corremos atrás para fazer isso, ou ficaremos aqui chorando mágoas por receber alunos despreparados na universidade. E, se aqui nas universidades somos educadores e não apenas engraxates de currículos, cabe a nós buscar alternativas de melhorar a competências de quem nos chega – e ficar espumando pelo canto da boca que isso não é nosso papel não resolve a questão. Se fizermos isso estaremos repetindo a atitude dos médicos que não querem trabalhar no SUS porque não há condições – e se esquecem que o papel deles é também fazer essas condições acontecerem. Eles são poderosos o suficiente para colocar qualquer prefeito na parede…

    Um outro comentário, no Facebook do Cemed, de Renato Melo, achou o texto subjetivo e muito particular meu. E é claro que é. Ele acredita que farmacêuticos mais habilitados para discutir a questão ‘são aqueles que estão na linha de frente, na rotina de atendimento aos pacientes’. Eu discordo e de maneira simples: quem está na linha de frente não está fazendo isso, por vários motivos, e por isso não dá para esperar; e por outro lado, Renato, o papel das universidades não apenas se adequar para atender essa realidade, mas discutir o assunto, que como tudo na vida carrega profundas raízes teóricas e filosóficas que são em essência nosso papel. Se não fizermos isso, o que faremos, e quem fará?

    E ai me reporto ao comentário do Caravante para ressaltar detalhe que acabei me esquecendo no texto (desculpe esquecimento tão fundamental e obrigado por levantar essa bola, que já coloquei aos meus alunos como questionamento ético): como vamos prescrever aquilo que vendemos, no interior de um estabelecimento que vendemos? Isso fere qualquer princípio moral e ético da relação profissional? Poderíamos dizer que o dentista nos vende o material que coloca em nossos dentes – mas ele coloca preço em um serviço que nos presta que inclui o material. Na farmácia vendemos um produto, e por isso até mesmo a indicação, que é uma prescrição não formalizada, traz problemas éticos. Então vamos abrir para que os médicos possam ter uma farmácia e prescrever para vender os produtos de sua loja – coisa que legalmente hoje não permitimos?

    Então, Renato, o problema suscita sim questões morais, éticas, legais e teóricas de alta relevância acadêmica, e a academia precisa dar essa contribuição para a categoria farmacêutica. Claro que cada contribuição será subjetiva e particular, como a sua também é, e como será a de cada farmacêutico que está na linha de frente. Na verdade eu estou na linha de frente também, só que outra: estou formando aqueles que irão para outra linha de frente. Isso nos coloca a questão filosófica de onde está a frente e onde está a retaguarda, afinal. O profissional que atende o paciente tem, e isso é claríssimo, milhões de vezes mais a condição de discutir certos aspectos da prescrição que eu ou outros colegas meus da academia. E espero que façam isso, torço para que façam.
    Enfim, vou parar aqui no momento pois está se alongando. Mas depois voltarei a outros detalhes dos comentários que, repito, foram riquíssimos e me entusiasmaram.

    Muito obrigado a todos pela força. O Cemed se alimenta disso.
    Edson

  9. Caro Prof.Edson,

    Sou Farmacêutica, no interior da Bahia há 2 anos e meio. pós-graduada em farmácia Clínica.Logo que iniciei minhas atividades encontrei muitos obstáculos a vencer e por mais incrível que parecesse para mim, o maior deles, foi mostrar para a equipe que eu trabalho, qual seria o papel de um Farmacêutico dentro de uma Farmácia Comunitária, pois eles não sabiam.Na época muitas farmácias não possuíam farmacêuticos presentes, hoje,vejo que a realidade é bem diferente.Começamos a mostrar nossa cara e a assumir as responsabilidades que cabem à nossa profissão.A comunidade já começa a reconhecer este profissional dentro da drogaria e a buscar por ele, e se analisarmos o tempo que isso demorou, principalmente no interior, pois é a realidade que vivo, foi bem pequeno.Acredito que o direito a prescrição farmacêutica foi apenas mais um degrau que subimos.Nunca se ouviu falar tanto do farmacêutico na mídia, antes eramos apenas uma pequena mensagem bem rápida em propaganda de medicamentos, agora , somos assunto no Jornal Nacional.Com certeza , prescrever medicamentos é uma grande responsabilidade e merece preparo e muito estudo continuo, reformulação da grade acadêmica, conhecimento em fisiologia e semiologia, contudo, acredito que diante da realidade que a saúde pública se encontra, o nosso reconhecimento como profissionais prescritores ,irá com certeza nos aproximar da clinica e do paciente e não devemos ter medo de assumir mais essa responsabilidade. devemos sim, sair de trás do balcão , das papeladas burocráticas e começar a gerenciar nossa profissão, mostrar nossa cara. Sou a favor da prescrição farmacêutica, sou a favor da relação paciente x prescritor x farmacêutico, sou a favor da intervenção na prescrição médica quando necessário.

    • Prezada Cibele
      O seu depoimento é bastante oportuno, você jovem farmacêutica, pós-graduanda em Farmácia Clínica, trabalhando em Farmácia Comunitária assume as responsabilidades profissionais com coragem e competência. Parabéns!

    • Ola Cibele. Gostei muito da sua mensagem. Sou docente da área de Saúde Pública e Gestão de Assist. Farmacêutica e temos duas disciplinas (não estágios) que levam os alunos para Unidades de Atenção Primária e o que observávamos no começo é exatamente o que você relata. Os outros profissionais não entendiam o que os alunos iriam fazer ali, já que uma das disciplinas é realizada fora da farmácia da Unidade, e eles participam das ações da equipe, ou seja, pré e pós consulta, visita domiciliar, atendimento na recepção. No inicio eu era sempre apresentada como Prof. da Enfermagem….mas com jeito e mostrando nossas qualidades, conseguimos agora ter uma situação em que somos convidados para ir para outras unidades (é pq além das aulas, nós como universidade desenvolvemos também outras ações lá). O que observo muitas vezes é uma resistência do farmacêutico de sair do quadradinho da farmácia e fazer uma interação com a equipe multidisciplinar e multi profissional. Sempre colocam inúmeros obstáculos. Costumo dizer que quando nos reunimos com a Enfermagem e fazemos uma proposta nova ou diferente, elas num primeiro momento dizem que não dá para fazer, mas logo depois já começam a pensar em como fazer. O farmacêutico, em sua grande maioria, simplesmente diz que não dá para fazer e ponto final…
      Bjos

      • Olá Vania. Vou aproveitar as suas pertinentes observações finais sobre a resistência do farmacêutico as interações com outros profissionais de saúde, que é simplesmente devido ausência nos cursos de Farmácia em sua grande maioria, de disciplinas relacionadas à Farmácia Clínica, além disso, os estudantes são formados na pobre visão de mercado do “quadrinho da Farmácia “, ignorando a real importância do Farmacêutico de Atenção Primária.

  10. Oi Roberto. Não sei como faz para responder direto na sua resposta então faço nova postagem. Creio que não falta somente disciplinas relacionadas a Farmácia Clinica, embora ela seja fundamental. Precisamos de uma formação mais humanistica, com o aumento da área de saúde pública, de forma a permitir ao aluno um contato desde o inicio da graduação com o serviço, o usuário e os alunos dos outros cursos. Eu sonho, mas sei que é quase como uma heresia com ao menos uma disciplina em que se trabalhasse os fundamentos da sociologia e da antropologia…Abs

    • Olá Vania. A formação humanística é fundamental em todos cursos da área de Saúde, por isso considero o curso de Enfermagem o mais avançado na área. Na FCF-USP e outras Faculdades, já existem tímidas iniciativas de disciplinas de sócio-antropológica e psicologia e um há projeto de se criar algo semelhante ao “College”-norte-americano para integração e formação de estudantes na área de Saúde..

  11. Muito bem… eu até sei como responder direto num comentário, Vânia, mas o debate está tá bom que vou em um novo post mesmo, como você. Fica melhor. Dois detalhes pelos quais achei ‘o maior barato’ a participação da Cibele. Primeiro é saber que temos aqui um instrumento democrático onde em qualquer local que um profissional de saúde esteja, na capital de São Paulo ou no interior da Bahia, podemos discutir um tema tão importante livremente; Viva a tecnologia! Bem usada é uma coisa muito boa. Segundo, mais importante,, é o conteúdo que ela nos coloca. Como você, Cibele, sou um otimista que acredita nas pessoas e que tem forte sensação de que a história é muito mais rápida do que podemos imaginar e às vezes percebemos. No dia a dia pode nos parecer que nada muda, mas basta olhar para o lado, ou para um pouco de tempo, e vemos como as coisas mudam. Ter esse espaço é um exemplo: não se passaram sequer dois anos e estamos aqui ‘batendo um bolão’. AS coisas estão mudando rapidamente, e a gente que trabalha na academia (a Vânia coloca bem essa perspectiva) percebe claramente como mais e mais alunos querem ser diferentes da minha geração. Aliás, sempre digo a eles que se forem iguais a mim e à minha geração deveriam rasgar o diploma. Eu já cheguei a presenciar uma discussão em plena congregação da faculdade onde a dúvida era se a farmácia seria da área de saúde ou tecnológica. E não estou julgando mal as pessoas que apresentavam a dúvida, o que na época, mais novo confesso ter feito. Hoje compreendo bem que a dúvida era de alto nível em função da realidade de um profissional que voltada apenas ao produto, à tecnologia, digamos, ‘hard’, e uma academia que fazia o mesmo. Eles estavam certos em ter a dúvida. Hoje isso já nem cabe mais discutir. ISSO É MUDANÇA! É a história acontecendo e sendo feita, como é bom que aconteça, pela própria categoria respondendo a problemáticas e anseios sociais vão aparecendo. Quem não faz a sua própria história deixa que alguém a faça por ele, e nós, de alguma forma fizemos isso na Farmácia Comunitária, razão pela qual hoje você, Cibele, enfrenta tamanha dificuldade para mostrar quem você é nesse ambiente. Neste semestre, como sempre, pergunto aos meus alunos quem é o farmacêutico, e me chamou a atenção a resposta de uma aluna que não sabe (isso é voa corrente) mas que ela nunca viu um. Ainda brinquei que é um bicho de duas cabeças, vários braços…(rsrsrs). Mas, brincadeiras a parte, como um aluno de farmácia nunca viu um farmacêutico é coisa para se pensar – provavelmente ela já viu, mas não pode identificar. Isso nos coloca questões que me fazem sonhar o sonho da Vânia – sem filosofia, sem antropologia, sem sociologia a coisa fica difícil de entender. Talvez, Vânia, não nas disciplinas obrigatórias, mas um pouco de pensamento filosófico abre muitas perspectivas. E a profissão farmacêutica andou muito pobre dessas coisas. Querem um exemplo: me arranjem duas teses que analisem o ensino farmacêutico no Brasil nos últimos anos… pode ser dissertação mesmo. Será que estou errado?

    • Prezado Edson,
      Prometo que está é a minha última postagem sobre assunto.
      Compartilho as ideias da Cibele, Vania e de você sobre a importância da formação humanística na busca de identidade da profissão farmacêutica. Lembro que ao ingressar no curso na década de 70, os professores denominavam de curso politécnico, alusão as diversidades da Engenharia, a POLI-USP, infelizmente na época o curso tinha uma organização caótica em mais de dez Institutos da USP com 45 disciplinas obrigatórias, fazendo com que os estudantes não tivessem a .mínima noção do Farmacêutico, como profissional de Saúde.
      Os tempos passaram, mudanças significativas ocorreram na tentativa de melhorar o curso e hoje, vejo com bons olhos as escolhas de estudantes que procuram nas Empresas Farmacêuticas, setores relacionados à Farmacovigilância, P&D, Marketing, como também, os espaços de Saúde nas Farmácias Comunitárias e Hospitalares, revigorados pela Farmácia Clínica. Contudo, não há muito por se fazer pela profissão.

      • Olá, Roberto. Não se avexe, pois o espaço é para debater mesmo. Nós somos contemporâneos e sei bem o que foi isso. Por isso é sempre bom que a perspectiva histórica se mantenha viva para que as novas gerações não cedam à tendência a ver as coisas de forma anacrônica. Se não nos damos conta de que a história é feita no nosso dia a dia, dentro de cada ambiente de nosso trabalho, nada muda. Por isso me esforço para fazer da sala de aula um espaço em que o meu dia a dia seja diferente daquele que vivi na universidade. É ali que posso promover verdadeiras mudanças, como cada farmacêutico que estiver na farmácia promoverá mudanças na profissão mudando um pouquinho aqui, outro ali. Não podemos deixar de ver, nunca, que não somos andorinha solitária.

  12. Olá, sou a favor da prescrição pelo Farmacêutico. Porém, deveria existir uma prova seletiva para tal, tipo a da OAB, onde só ficariam aptos a prescrição os que passarem por ela.

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