Intervenções farmacológicas para o alívio da dor na inserção do DIU

Por: Helena Sclauser

O uso de dispositivos intrauterinos como método de contracepção é altamente eficaz e inclui dois representantes: o dispositivo intrauterino contendo cobre (DIU) e o sistema intrauterino de liberação de levonorgestrel (SIU-LNG) [1]. Apesar da diferença, é comum que o termo “DIU” seja frequentemente utilizado para se referir a ambos os tipos [1]. 

No Brasil, está disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o dispositivo intrauterino de cobre (DIU TCu 380A) de longa duração, que se destaca por ser um método com alto potencial de eficácia, praticidade, segurança, reversível e não hormonal [2]. O procedimento de implementação pode ser feito por qualquer profissional médico ou enfermeiro devidamente habilitado, em qualquer dia do ciclo menstrual  (desde que excluída a possibilidade de uma gravidez), no pós-parto ou pós-abortamento imediato [2]. Apesar dos benefícios deste método,  um estudo realizado em três capitais brasileiras, demonstrou que apenas 1,7% das mulheres avaliadas estavam utilizando o DIU no momento da entrevista [3]. Um dos diversos motivos para explicar tal percentual é o medo da dor da inserção do DIU que muitas pessoas com útero possuem, o que é uma barreira para a utilização do método [1].

Foi realizada uma revisão sistemática em ensaios clínicos para identificar os níveis de dor que as mulheres experimentam durante a inserção do DIU [1]. Constatou-se que os níveis de dor variam nos estudos publicados, uma vez que a dor, apesar de ser um parâmetro avaliável, é subjetiva e varia de uma pessoa para outra [1]. Sabe-se que, raramente, a dor é intensa e costuma estar associada com náuseas e fraqueza, que podem persistir por alguns dias após a inserção. Os fatores que estão associados ao maior nível de dor durante a inserção do DIU incluem: idade superior a 30 anos, intervalo mais longo desde a última gravidez ou menstruação, história de cólica menstrual e não amamentação no momento [1]. Alguns estudos demonstram ainda que não há associação entre a menstruação com a facilidade de inserção do dispositivo ou com a diminuição da dor, mesmo que seja comum na prática clínica que profissionais se recusem a inserir o DIU em indivíduos que não estejam na fase folicular do ciclo menstrual, que é quando ocorre o sangramento [3].

Até o momento nenhuma intervenção farmacológica tem sua efetividade comprovada para o alívio da dor durante ou após a inserção do DIU [3]. Todavia, atualmente estuda-se o uso de anti‐inflamatórios não esteroides (AINEs), anestésicos cervicais locais e agentes de amadurecimento cervical para o alívio da dor na inserção do DIU, tendo em vista que esses também atuam na redução das cólicas uterinas, no amadurecimento cervical e/ou o anestesiamento do colo do útero [1]. 

Apesar da escassez de evidências, algumas estratégias farmacológicas são recomendadas no Brasil para proporcionar alívio da dor durante a inserção do dispositivo intrauterino [2]. A estratégia mais comum consiste na administração de AINEs por via oral, para o controle da dor, antes da realização do procedimento [2]. Em razão dessa situação, abaixo estão listados alguns medicamentos mencionados para esse fim na literatura consultada.

Lidocaína-prilocaína: uma revisão sistemática [4], que incluiu 38 ensaios clínicos randomizados de intervenções farmacológicas para o controle da dor em indivíduos submetidas à colocação de DIU, revelou que o creme de lidocaína-prilocaína foi mais eficaz no alívio da dor do que todas as outras intervenções estudadas (lidocaína mucosa, misoprostol, naproxeno e bloqueio paracervical), pois reduziu a dor da inserção do DIU em 28%, mas não apresentou nenhum efeito na dor após a realização do procedimento. A meta-análise concluiu que nenhuma outra intervenção foi eficaz [4, 5].

Misoprostol: um ensaio clínico [6] teve como objetivo comparar o nível da dor da inserção do DIU, implantado após o parto cesáreo, em três grupos distintos: placebo, 200 mcg de misoprostol vaginal ou 5 ml de creme lidocaína-prilocaína 5%. Todas as doses foram administradas 3h antes do procedimento. Os dois medicamentos foram bem-sucedidos na redução da dor do DIU, contribuindo para uma maior satisfação das pacientes e menor solicitação de anestesia adicional, em comparação ao grupo placebo [6]. Os eventos adversos não foram significativamente diferentes entre os três grupos, exceto vômitos e cólicas abdominais, que foram maiores com o misoprostol [6]. 

Gel de lidocaína: um ensaio clínico randomizado [7] comparou o resultado da aplicação do gel de lidocaína a 4% com os resultados obtidos pelo grupo placebo. O estudo foi feito com mulheres nulíparas (termo utilizado para descrever mulheres que nunca deram à luz). O gel de lidocaína foi colocado no colo uterino 5 minutos após a inserção do DIU em uma dose única de 8,5 mL. Obteve-se como resultado que a lidocaína proporciona alívio da dor com duração de 30 a 60 minutos. Em média, 3 em cada 4 pacientes sentiram menos dor com lidocaína do que com placebo. Os eventos adversos foram semelhantes nos grupos placebo e lidocaína. Não foram relatadas reações adversas graves [5, 7].

Naproxeno: uma revisão sistemática e metanálise da Cochrane [1] selecionou 33 ensaios clínicos randomizados de intervenções para redução da dor durante a inserção do DIU. Dentre eles, dois tinham como objetivo avaliar a eficácia do naproxeno, comparando-o com o grupo placebo. Concluiu-se que o medicamento foi eficaz para o alívio da dor. O primeiro ensaio clínico [8] constatou que o grupo que recebeu uma dose de 300 mg de naproxeno na noite anterior ao procedimento e 90 minutos antes, relatou uma dor menor quando comparado ao grupo placebo. Entretanto, a pesquisa foi realizada, na sua maioria, por mulheres que nunca entraram em trabalho de parto. O segundo estudo [9] administrou uma dose de 550 mg de naproxeno uma hora antes do procedimento e também obteve resultados positivos no alívio da dor com o uso do medicamento. 

Ibuprofeno: a revisão sistemática da Cochrane [1] reuniu quatro estudos que tinham como objetivo analisar a eficácia do ibuprofeno (400 mg ou 800 mg) comparando-o ao grupo placebo. A maior parte dos ensaios não revelou nenhum benefício desse medicamento para o alívio da dor [1]. 

Tramadol: um ensaio clínico randomizado comparou a eficácia de analgesia do tramadol (50 mg) e do naproxeno (550 mg), administrados uma hora antes do procedimento, para reduzir a dor durante a inserção do DIU. O grupo que recebeu tramadol apresentou menor pontuação média na escala da dor disponível em comparação com um grupo que recebeu naproxeno. Quase todas as mulheres eram nulíparas nesse estudo [9]. 

Vale mencionar que existem intervenções farmacológicas que foram estudadas anteriormente com o objetivo de encontrar sua eficácia na diminuição da dor da implementação do DIU, mas que atualmente já se sabe que promovem um alívio mínimo ou inexistente. A revisão sistemática da Cochrane [1] concluiu que a dose de 400 mcg de misoprostol e a aplicação do gel de lidocaína 2%, por exemplo, não foram efetivos para redução da dor [1].

Dessa forma, a lidocaína-prilocaína, o misoprostol 200 mcg, o gel de lidocaína 4%, o naproxeno 300 mg ou 550 mg e o tramadol 50 mg são medicamentos que se mostram eficazes em proporcionar o alívio da dor da inserção do DIU, porém as evidências, em sua maioria, são limitadas para grupos específicos de indivíduos com útero e, portanto, é necessário novos estudos a respeito. 

Uma vez que o DIU é um método contraceptivo altamente eficaz e seguro, sendo um método relevante para a garantia dos direitos reprodutivos, é importante a realização de novas pesquisas sobre o manejo da dor da inserção do DIU, a fim de estabelecer os medicamentos mais efetivos. Ademais, torna-se imprescindível que os profissionais de saúde com o conhecimento técnico sobre o assunto divulguem sobre os métodos farmacológicos que auxiliam no alívio da dor e acolhem seus pacientes quanto aos seus medos sobre a inserção do DIU. 

Referências:

  1. Lopez, L. M., Bernholc, A., Zeng, Y., et al. Interventions for pain with intrauterine device insertion. The Cochrane database of systematic reviews, 2015(7), CD007373. Acesso em: 15 dez. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1002/14651858.CD007373.pub3
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual Técnico para Profissionais de Saúde : DIU com Cobre TCu 380A / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2018. disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/12/manual_diu_08_2018.pdf
  3. Barreto DS, Rêgo MEMP, Melo Neto AJ, et al. Avaliação da dor e seus fatores associados durante a inserção do dispositivo intrauterino na atenção primária à saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2022;17(44):3099. Acesso em: 18 dez. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5712/rbmfc17(44)3099
  4. Samy A, Abbas AM, Mahmoud M, Taher A, Awad MH, Husseiny TE, et al. Evaluating different pain lowering medications during intrauterine device insertion: a systematic review and network meta-analysis. Fertil Steril. 2019;111(3):553–61.e4. Acesso em: 2 fev. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2018.11.012 
  5. Whitworth, Karena et al. “Effective analgesic options for intrauterine device placement pain.” Canadian family physician Medecin de famille canadien vol. 66,8 (2020): 580-581. Acesso em: 19 dez. 2023. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7430802/#b4-0660580 
  6. Hashem AT, Mahmoud M, Aly Islam B, et al. Comparative efficacy of lidocaine-prilocaine cream and vaginal misoprostol in reducing pain during levonorgestrel intrauterine device insertion in women delivered only by cesarean delivery: A randomized controlled trial. Int J Gynaecol Obstet, fev. 2022. Acesso em 19 mar. 2024. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35212402/ 
  7. Tornblom-Paulander S, Tingåker BK, Werner A, Liliecreutz C, Conner P, Wessel H, et al. Novel topical formulation of lidocaine provides significant pain relief for intrauterine device insertion: pharmacokinetic evaluation and randomized placebo-controlled trial. Fertil Steril. 2015;103(2):422–7. Acesso em: 2 fev. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2014.10.026 
  8. Massey SE, Varady JC, Henzl MR. Pain relief with naproxen following insertion of an intrauterine device. Journal of Reproductive Medicine 1974;13(6):226‐31.
  9. McNicholas CP, Madden T, Zhao Q, Secura G, Allsworth JE, Peipert JF. Cervical lidocaine for IUD insertional pain: a randomized controlled trial. American Journal of Obstetrics and Gynecology 2012;207(5):384.e1‐6. Acesso em: 2 fev. 2024. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3492878/

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